Capítulo XII

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                             (Heitor)

  Deveria ficar surpreso com as coincidências que nos cercavam, mas meu avô sempre me ensinou que elas não existem. São apenas coisas que estão destinadas a acontecer, pois possuem algum significado para nossas vidas, não sei bem qual o significado que aquele bailarino tinha em minha vida. E creio que a única maneira de saber é permanecendo perto dele e não me afastar.

   — Parece que vamos caminhar juntos por um trecho —. Digo e corro para lhe acompanhar, ele apenas solta um leve sorriso no canto de sua boca e desliza sua mão pelos cabelos castanhos e macios.

   — Como vai sua avó? —. Ele indaga.

   — Bem —.

   Era um final de dia, no horizonte um sol vermelho ia embora pintando o céu azul com um vermelho rubro como o sangue. O vento refrescante trazia aromas que se misturavam, mas era bem perceptível o aroma de seus cabelos.

  De vez em quando seus olhos encontravam os meus e ambos fugiam um do outro, com um medo controlador e constante.

   — Ela gostou daquela noite —. Comentei feliz por ela estar feliz.

   — Que bom, acho que todos merecem uma noite como aquela, pobres, ricos, o ballet é para todos —.

   — Até este exato segundo achei que você fosse um daqueles granfinos que odeiam pobres —.

  — Granfino? Eu? Quem me dera, meu pai é só reitor de uma universidade, nada comparado às outras pessoas nos acentos caros do teatro —.

  — Eu imagino, senti o olhar deles sobre nós, era visível sua irritação em ver pessoas como nós no teatro —.

  — Eu nem ligo para eles, não deveria ligar também —. A maneira como ele ignorava seus problemas era inacreditavelmente corajosa.

  — Espero ter a oportunidade de ir de novo lá, aquele teto prende demais minha atenção —.

  — Sabe que eu sinto o mesmo, o melhor de tudo é quando você se deita no palco e ver cada detalhe —.

  — Você gosta do que faz, não é? —.

  — Demais —.

  — Queria sentir isso também, mas sentir o cheiro de fumaça não é bem agradável —. Renan tinha um olhar carregado de melancolia, como se a todo momento quisesse chorar. Sua boca minúscula escondia-se entre finos lábios.

  — Bem, talvez encontre um dia algo que lhe dê prazer —.

  — É quem sabe —.

   Renan parou em um prédio bonito, mas pequeno de quatro andares, com um visual elegante.

  — Bem eu moro aqui, como pode ver não é lugar de granfino —.

  — É bem bonito —. Nas varandas do prédio haviam várias flores, uma vermelhas outras rosas, além de terem uma arquitetura muito semelhante à aqueles prédios franceses.

  Ele ficou parado em silêncio, apenas me olhando, não sei porque mas também fiquei parado a sua frente, sentindo minhas bochechas queimarem.

  — Eu já vou indo —.

  — Se quiser aparecer qualquer dia te ofereço um chá —.

  — Tudo bem, qualquer dia apareço —. Nisso me virei e caminhei em direção a minha casa. Ainda não acreditava que ele morava perto de minha casa, pensei que morasse em um bairro granfino.

  Hoje mais cedo o velhote nos visitou, trouxe uma caixa de chocolate para minha avó, além de um presunto sei lá o quê para mim. Sentamos os três na mesinha do jardim, eles dois conversavam eu ficava apenas ouvindo.

  — É um lugar muito belo, um jardim muito agradável —.

  — Pensei que não iria aceitar meu convite —.

  — Por que não? —.

  — Não sabia se tomar chá em um bairro no subúrbio seja considerado algo decente para alguém da sua classe —.

  — Por favor madame, não diga isso —.

  E foi assim que os dois conversaram um bom tempo, a maioria das coisas era baboseira, falavam sobre os tempos de juventude de ambos.  E às vezes me incluíam na conversa.

  — Desculpa a indiscrição, mas onde está a mãe do Heitor? —. Que velhote intrometido.

  — Bem, ela passou por alguns problemas na juventude, e não pôde criar ele, mas ela é casada hoje e vive em outra cidade —.

  — Se ele não tivesse chamado você de avó, acreditaria que vocês são mãe e filho —. Minha vó era mesmo tonta, riu de uma bobagem como essa.

   Na saída Adamastor nos convidou para ir em sua casa tomar um chá, na verdade nos obrigou, usando sempre a chantagem dos bons modos e da educação. Minha vó aceitou, sabe-se lá o quê se passava pela cabeça dela.

   Quando a noite chegou, lembrei do endereço bailarino, ficava relativamente perto de minha casa comparado ao resto da cidade. Esses meros detalhes me deixavam muito pensativos, como se possuíssem algum significado que seria descoberto após estudar camada após camada de fatos.

   Esses dias passaram depressa, essa era minha rotina quatro dias por semana academias, três deles com a companhia do Renan, sempre voltávamos para casa juntos. Pouco a poucos ele foi chegando mais perto, mas mesmo assim parecia que ele estava a quilômetros de distância.

  Foi em um dia quando voltávamos da academia que mais uma coincidência aconteceu.

  — Sei não, não vai chover —. Ele disse olhando para o tempo tempo já estava fechado. Caminhávamos depressa, com um vento que começou a soprar forte.

  Renan não acredito que choveram até sentir a primeira gota de chuva cair sob seu corpo. Estávamos perto da sua casa, e mesmo assim o céu desabou em nossas cabeças. Ficamos bem molhados, mas conseguimos chegar em seu prédio.

  — Vamos subir, é melhor você ficar aqui —.

  — Parece minha avó falando —.  Digo rindo, se ela estivesse ali teria dito para me abrigar, pois uma das coisas que ela tem mais medo é raios, pois segundo ela seu tio morreu atingido por um.

   — Olha não vai olhar para a bagunça, sou bem desorgazido —. Disse ao abrir a porta, tinha realmente uma bagunça, mas muito pequena apenas algumas coisas no sofá e no tapete.

   — Senta ali, vou pegar uma toalha para você —.

   Olhei ao redor, tinha várias coisas legais em seu apartamento, várias esculturas de pessoas dançando, troféus, medalhas, e principalmente fotos.

   — Fuçando minha vida? —. Indagou me jogando uma toalha.

   — Sim –.

   — Vou trocar de roupa e daqui a pouco faço um chá —. Odeio chá, mas fingi que estava tudo bem, afinal não gostaria de causar incômodo.

  
CONTINUA NO PRÓXIMO CAPÍTULO

 

O vôo do CisneOnde histórias criam vida. Descubra agora