Capítulo III

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                            (Heitor)

   — Boa noite vó —. Digo ao chegar em casa, eu estava exausto, tudo o que eu faria no restante da minha noite seria dormir.

  — Boa noite, está com fome filho? —.

  — Muita, vou tomar um banho primeiro —. Sorrio para ela. Entro no meu quarto. Éramos apenas nós dois, depois que o vovô morreu, ficou essa solidão.

  Entro no banheiro, e relaxo ao sentir a água morna banhar meu corpo, meus músculos doíam, não era nem um pouco fácil trabalhar o dia inteiro como bombeiro, mas pelo menos o salário compensava.

  "— Eu só quero ensaiar em paz —". Aquelas palavras voltaram repentinamente a minha cabeça, sem motivo, sem aviso.

   — Como se eu fosse o empecilho para o seu ensaio —. Desliguei a água, me sequei e vesti meu pijama. Quando fui colocar a minha roupa suja no cesto, lembrei dos ingressos. Minhas mãos visitaram o fundo dos bolsos, e peguei aqueles belos pedacinhos de papel.

  — Heitor você vai a academia hoje? —. Vovó perguntou, olhei para os ingressos, e lembrei dela.

  — Não, hoje não —. Me sentei a mesa, ela estava colocando a comida nas travessas.

  — Vó —. Chamo a ela, queria fazer uma surpresa.

  — Hum —. Respondeu não me dando muita atenção.

  — Sabe a reinauguração do teatro —.

  — Sei, o que tem? —.

  — Pode olhar aqui? —. Ela se virou, e eu balancei os ingressos em mãos, ela olhou não entendendo no início, mas não demorou muito para ela ficar de queixo caído.

  — Como conseguiu? Meu filho isso é muito caro —.

  — O prefeito me deu, pode se arrumar, escolher uma roupa bem chique, porque amanhã iremos ao teatro —.

  — Mas... —.

  — Não aceito recusa, vamos lá, nunca saímos juntos —.

  — Tudo bem, mas você tem roupa? —. Ela me lembra do meu tipo de vestimenta. Nunca me preocupei em comprar um terno para ocasiões como essa.

  — Amanhã eu compro, melhor amanhã vamos sair para comprar, a senhora precisa de uma roupa também —.

                                •••

  Deitado, eu lembrava involuntariamente dos delicados movimentos do bailarino.

   — Para de pensar tanta besteira —. Desliguei a luz do abajur e tentei dormir,  demorou um bom tempo, mas consegui.

                             (Renan)

   Voltando da padaria, eu ainda estava mexido, devido eu ter visto um cara que me lembrou o bombeiro de hoje. Ele estava de costas, seu cabelo me lembrou demais aquele topete horroroso.

  Mas quando ele olhou para mim, percebi imediatamente que não era ele. Eu estava vendo coisas.

   — Será que aquele idiota vai mesmo? Só o que faltava, um troglodita daqueles em um teatro, não deve nem saber ler —. Resmungo sozinho ao subir as escadas.

   — Mas também, aquele desmiolado do prefeito, acha que qualquer um gosta de arte —.

   Sentei, me servi com um pouco de chá, e comi umas três fatias de pão. Minha vida era assim, vivendo de dietas loucas, tudo para manter meu corpo em forma. Acho que não me lembro a última vez que comi um hambúrguer.

   Quando acabei, fui me alongar, essa era minha rotina, ensaiar, academia, dieta, dormir. Repetitivo, mas extremamente necessário.

  — Foco Renan, foco —. Repito. Mas a imagem daquele bombeiro estava na minha cabeça, ele sendo um animal comigo.

   — Além de me derrubar, tentou me bater, mas que imbecil —. Quando o alarme tocou, desliguei as luzes e fui dormir, eu devia dormir cedo, senão amanheceria cheio de olheiras.

   Passei meu creme hidratante, e desliguei as luzes. Fechei os olhos, e foi então que a lembrança dos seus olhos chegou a mim repentinamente. Eram diferentes, eu não conseguia criar uma descrição para eles, mas eram assustadoramente penetrantes.

  — Realmente um idiota —. Resmungo e caio no sono.

                                •••

 
   — Bone jour, acorda porque temos muito o que fazer —. Minha mãe apareceu às oito da manhã no meu quarto. Acordei, um pouco irritado, e decidido que deveria trocar as fechaduras dessa casa.

  — Marquei um dia inteiro de spa para você —.

  — Acho que não preciso de spa, estou muitíssimo bem —. Minha mãe amava criticar minha aparência. Ela era uma dos principais responsáveis por às vezes eu duvidar de mim mesmo.

  — Com esse cabelo cheio de pontas duplas? Renan, você não pode ser desleixado desse jeito —.

  — Só o que faltava, ser acordado e como bom dia alguém criticando minha aparência —.

  — Como se eu estivesse mentindo —.

  — Mãe, olha só, hoje é um dia muito importante para mim, então acho que não preciso de você me estressando —.

  — Tudo bem, tudo bem, eu vou para casa, mas por favor vá no spa, relaxar é sempre bom —. Ela pegou sua bolsa e se foi. Sem nem perguntar se eu estava bem, essa era minha mãe, preocupada demais com minha carreira, mas nem um pouco comigo.

  Acordei, e me olhei no espelho, passei os dedos delicadamente no rosto. Até que um spa não faria mal.

   Arrumei minha mochila e pedi um carro para ir até esse tal spa. Hoje seria o dia inteiro assim, preparando meu corpo e minha mente para a Estreia. Era tão assustador, imaginar que teriam milhares de pessoas de olho em mim.

  — É nada fácil —. Sussuro.

  Se por um lado minha mãe era preocupada demais com minha carreira, meu pai não lembrava da minha existência. Tudo o que ele se importava era com a universalidade da qual ele era reitor. Sempre viajando e nunca em casa, ele é minha mãe eram o casal perfeito, não precisavam um do outro, por isso mal se viam.

  Entrei no spa, e a recepcionista me levou até um vestiário onde pude trocar de roupa. O primeiro lugar que fui, foi até uma sala onde recebi uma massagem.

  — Acho que eu precisava mesmo disso —.
 
  — Você tem uma pele bonita —. O massagista diz, seu toque delicado e preciso me conduziam ao paraíso.

  — Obrigado —.

   Saí do spa e já era três da tarde, fui direto para o teatro, eu tinha que vestir o figurino, fazer a maquiagem e também o cabelo, e acima de tudo tentar me acalmar.

   Pedi para que colocassem Bach para tocar, como eu era o protagonista, tinha um camarim só para mim, nem é preciso dizer o quanto aquele invejoso do Cassiano ficou incomodado. Ele passou por mim mais cedo, sempre do lado do seu lacaio, um imbecil que acha que o Cassiano vai amá-lo, pobre alma.

CONTINUA NO PRÓXIMO CAPÍTULO.

 

 

 

 

 

 

 

O vôo do CisneOnde histórias criam vida. Descubra agora