Therapy

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O sinal do intervalo havia acabado de tocar, porém continuei emborcada sobre a banca. Eu gostaria de desaparecer naquele exato instante, era melhor ter faltado de novo. Fora a típica enxaqueca, meu cérebro também estava me torturando ao pensar na mudança de comportamento de Louis e na briga feia que ele e Elliot tiveram.

— Você vem, S/n?— Escutei Dustin me chamar. Tava até demorando. Ergui a cabeça de maneira cansada.

— Hum?— Murmurei fingindo não ter escutado. Não que eu esteja tentando me afastar deles por causa de Louis, só não estou num bom dia para ficar interagindo com pessoas, principalmente quando se trata de um bando de nerds. Eles passam o intervalo inteiro falando de um jogo que eu nem conheço.

— Você vai com a gente?— Repetiu prolongando a pergunta.

— Minha enxaqueca voltou. Vou ficar por aqui mesmo.— Contei apoiando as costas no encosto da cadeira. Na verdade não voltou, até porque nunca passou.

— Poxa, melhoras.— Disse saindo frustrado, sendo seguido pelos outros da trupe de patetas. Restava apenas eu na sala, então voltei a posição despreocupada.

"Está chegando a hora." Um sussurro daquela voz invadiu meus ouvidos. Engoli seco e circulei o olhar pelo ambiente ao meu redor. Eu ser esquisofrênica está começando a virar uma grande possibilidade.

Levantei da banca apreensiva, logo procurando um lugar onde eu possa me sentir segura. Abri a porta e encontrei o corredor quase inabitado, a não ser pela presença de uma mulher aparentemente asiática.

— Tudo bem com você?— A mesma indagou estranhando meu nervosismo.

— S-sim.— Gaguejei me recuperando do susto.

— Tem certeza? Sou a terapeuta da escola, posso te ajudar.— Ofereceu solidária. Ela deve ser a que Louis recomendou. Em qualquer outra situação eu recusaria, odeio demonstrar sentimentos e fraquezas.
Mas sinto que estou enlouquecendo... Não acredito que vou seguir um conselho daquele idiota.

— Pode ser na sua sala?— Pedi querendo mais privacidade.

— Claro.— Concordou me fitando como se estivesse curiosa. Caminhamos até o local, que por sinal era bem perto de onde estávamos. Me sentei em uma das duas cadeiras que haviam em frente a mesa do pequeno escritório, já ela se sentou do lado oposto.

— E então... O que está acontecendo?— Perguntou esperando que eu falasse. Como vou explicar que estou ouvindo vozes sem parecer uma completa pirada? É melhor contar desde o início.

— Bem... Tudo começou anteontem, quando eu tive uma pequena crise de raiva e meu nariz sangrou do nada.— Narrei tentando usar as palavras certas. A mulher me encarava prestando atenção.

— O que te deixou com raiva?— Questionou enquanto pegava um caderno que estava numa de suas gavetas. Relembrei aquela noite vagamente e tive receio de contar. Sério que a vida sexual de Louis vai virar a pauta da nossa conversa? E eu pensando que não tinha como ficar pior.

— Meu irmão postiço, ele levou uma garota pra casa.— Revelei sem dar detalhes. A vi anotar algo em seu caderno.

— Por que isso te deixou com raiva?— Perguntou ao parar de escrever. Eu falaria que não gosto de escutar gemidos alheios, mas não sabia uma forma de dizer sem gerar constrangimento. Por isso demorei para responder, só por isso.

— Porque ele deveria fazer essas coisas fora de casa. Eu não sou obrigada a presenciar.— Expliquei deixando implícito o que ele estava fazendo, contudo acho que ela entendeu.

— Enfim.— Falei querendo retomar meu propósito inicial.— No dia seguinte, no caso ontem, acordei com uma enxaqueca insuportável e acabei não aguentando vir para a escola.— Voltei a contar.— Passei a manhã dormindo e tive um pesadelo.— Adicionei direta.

— Como foi esse pesadelo?— Perguntou levantando sua caneta. Respirei fundo pois iria reviver vários gatilhos.

— Foi com o meu pai me culpando pela morte da minha irmã.— Revelei desconfortável.

— E por que ele te culparia?— Questionou retornando a escrever prováveis relatórios na folha do caderno.

— Minha irmã morreu quando estávamos em uma excursão escolar. Houve uma batida e o ônibus estava pegando fogo. Disseram que ia explodir... Eu consegui sair há tempo, mas ela não.— Contei sentindo minha voz ficar instável.— Nós só tínhamos oito anos.— Afirmei me segurando para não chorar.

— Nossa... Sinto muito.— Expressou compaixão.— Eram gêmeas?— Indagou assimilando a questão das idades.

— Sim, idênticas.— Confirmei de cabeça baixa. Até hoje sinto uma coisa ruim quando me olho no espelho, tanto que evito ao máximo.— Apesar das personalidades opostas.— Falei acrescentando essa informação. Clarice era uma criança muito doce e educada, enquanto eu era agitada e vivia fazendo birra.

— Esse sonho que estava lhe atormentando agora há pouco?— Supôs na tentativa de achar um motivo.

— Na verdade... Desde quando a enxaqueca começou eu venho tendo alguns delírios.— Assumi receosa.

— Que tipo de delírios?— Perguntou ainda anotando.

— Escuto vozes.— Afirmei temendo sua reação. A mulher parou de escrever e me fitou pensativa.— Você é a única que sabe disso. Todos achariam loucura. Louis por exemplo, ele me amarraria numa camisa de força se soubesse.— Constatei citando o nome do garoto com desgosto.

— Seu nome é S/n?— Previu como se estivesse juntando as peças.

— Como você sabe?— Questionei assustada. Espera... Louis faz terapia. Então ele andou falando de mim? Pelo visto sim, e com certeza coisa boa não foi.— Ah, claro. Aquele lá deve ter montado minha caveira. O que ele disse? Que eu sou uma pirralha irritante?— Supus me sentindo ofendida só de imaginar.

Não posso falar nada relacionado as sessões de outros pacientes.— Afirmou garantindo confidencialidade. Pelo menos isso significa que ela também não vai contar meus problemas por aí.

Só não entendo como Louis aceitou isso. Ele é cabeça dura demais.— Pensei alto em relação a terapia.

— Às vezes fazemos coisas que não queremos por obrigação.— Falou simples. Realmente, Louis deve estar sendo forçado a fazer isso. E se eu estiver certa, tem dedo da minha mãe no meio.

— É... Obrigada por ter me ouvido Senhora... Kelly.— Agradeci descobrindo seu nome pela plaquinha que havia no birô. Levantei da cadeira planejando sair dali.

— Quando precisar de novo estarei aqui.— Disse ao me ver atravessar a porta apressadamente. Sim, eu saí rápido pelo fato de não suportar dividir o mesmo ambiente de alguém que me viu vulnerável.

𝐒𝐭𝐫𝐚𝐧𝐠𝐞𝐫 𝐛𝐫𝐨𝐭𝐡𝐞𝐫- 𝘓𝘰𝘶𝘪𝘴 𝘗𝘢𝘳𝘵𝘳𝘪𝘥𝘨𝘦Onde histórias criam vida. Descubra agora