Dear Clarice

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O caminho até o cemitério foi tenso e silencioso, minha única distração havia sido escutar Kate Bush, ainda bem que eu trouxe o fone. Percebi Louis me olhando algumas vezes, seu olhar era claramente de pena. Isso está me deixando desconfortável e ainda mais confusa. Nunca imaginei vê-lo ter compaixão por alguém, muito menos esse alguém sendo eu.

Assim que chegamos senti um ar fúnebre angustiante. Todos aqueles túmulos reunidos me geraram temor de pensar que vou ser a próxima. Não só porque tenho grandes chances de morrer hoje, mas também pela realidade de que todo mundo um dia vai partir.

Desci do carro sem esperar Louis, logo ele teve que se apressar um pouco para conseguir me alcançar. Meu foco estava totalmente voltado a encontrar a lápide de Clarice, então não dei atenção a sua tentativa de se manter próximo.

— Essa parte é dos falecidos da década de sessenta.— Louis avisou reparando nas datas, como se quisesse ajudar a encontrar mais rápido.

— Então os de setenta devem ficar pra lá.— Supus seguindo a ordem crescente. Andamos na reta direita analisando os anos para nos orientarmos. Comecei a desacelerar os passos quando avistei setenta e nove, o ano em que Clarice morreu.

— Clarice Lennox.— Indicou apontando para uma lápide. Levei meu olhar até o nome gravado e ali de fato avistei "Clarice Lennox- 07/05/1971- 03/06/1979", me dando a confirmação de que era ela, a minha irmã.— Foi no meu aniversário.— Percebeu reparando a data de morte.

— Eu sei.— Afirmei inclinando a cabeça diante do túmulo. Desde que Louis veio morar conosco preparam festas de aniversário para ele, onde chamam vários amigos. Tenho consciência de que é uma comemoração pertinente, mas me incomoda ver mamãe agindo como se Clarice nunca tivesse existido.

— Por isso você não participa das minhas festas?— Perguntou aparentando ter finalmente descoberto a resposta para algo que sempre lhe gerou dúvida.

— Eu não participo porque você nunca fez questão da minha presença.— Discordei convencida, apesar daquele realmente ser o maior motivo. Abri o envelope da carta à procura de evitar uma contestação e ir direto ao ponto. Encarei o texto aguardando que Louis saísse dali para que eu pudesse lê-lo em voz alta.— Privacidade, por favor.— Pedi vendo que ele continuava parado do meu lado, contudo em seguida meu pedido foi concebido.

"Querida Clarice,

Sei que você não está ouvindo isso, afinal há sete anos atrás sua feliz vida chegou ao fim, e de certa forma a minha também. Não vejo mais sentido na palavra "felicidade" desde que você se foi. A cada segundo que passa sinto a terrível sensação de estar ocupando o lugar de alguém que poderia viver de fato, e não apenas sobreviver que nem eu.
Pode ser equivocado da minha parte, mas acho que nossos pais estariam juntos até hoje se eu que tivesse ido. Você sempre foi tão adorável, uma garotinha de dar orgulho, diferente de mim, o próprio erro em pessoa.
Papai não suportou perder a filha preferida e ter que ficar encarando constantemente uma cópia piorada dela. E sabe... Eu entendo ele, eu mesma mal consigo encarar meu reflexo no espelho.
Sério, Cici, desculpa não ter lembrado de você na hora do desespero. Vivo repassando aquele momento na minha cabeça, toda vez que faço isso tenho um desejo enorme de voltar no tempo e te tirar do ônibus antes dele explodir, ou até mesmo de trocar de lugar com você.

Serás eternamente a parte que falta em mim, minha outra metade.

Te amo, irmãzinha."

Finalizei a leitura analisando os arredores para me certificar de que ninguém havia escutado minha declaração deprimente, contudo ao realizar o ato notei que o céu estava escurecendo de modo súbito e estranhamente acelerado.

𝐒𝐭𝐫𝐚𝐧𝐠𝐞𝐫 𝐛𝐫𝐨𝐭𝐡𝐞𝐫- 𝘓𝘰𝘶𝘪𝘴 𝘗𝘢𝘳𝘵𝘳𝘪𝘥𝘨𝘦Onde histórias criam vida. Descubra agora