O médico demorou bastante para aparecer e me liberar. Me alertou sobre o perigo da pressão alta na gravidez, perguntou se eu gostaria de um encaminhamento para um psiquiatra e um psicólogo. Me recomendou também fazer uma caminhada leve, afim de me desestressar. Me garantiu que não faria mal nenhum ao meu bebê.
Quando cheguei em casa já era de manhã. Gostaria de ir dormir, mas apenas tomo banho e vou trabalhar sentindo a exaustão tomar conta do meu corpo.
Ao anoitecer, resolvo de fato fazer a tal caminhada. Andando devagar e ouvindo uma música, não deixo de pensar. Sempre foi uma mentira essa história sobre se exercitar para parar de pensar em algo, nunca parei. Por vezes a academia apenas aumentou minha irritação em dias ruins, nunca me acalmou.
Falam tanto daqueles que se refugiam em festas para não pensar, na academia todos ali fazem o mesmo. Só que com hábitos saudáveis, o que levam a todos pensar sobre como está melhor do que os demais, isso é tão ridículo. Estamos todos na merda.
Cada um foge de algum jeito. Ficam obcecados com a própria imagem, e derrotados ao ficar doentes e perder um pouco daquele shape por não ter malhado. Outros se tornam bastante religiosos, alguém tem que vir salva-los e os malvados, terem que pagar. Por eles poderem ser salvos, logo se acham melhores do que daqueles que aparentemente não vão. Uns usam drogas ou bebidas para escapar da realidade. E outros, se afundam em trabalho... todos, exceto, os drogas, bêbados e viciados em jogos ou qualquer coisa considerada feia, vivem um falso progresso, avanço. Como se estivéssemos a frente de todos. E será que estamos? Usando da pura sinceridade, estamos progredindo?
Bem, eu acho que não. A vida continua um saco.
Quem sabe os beberrões e drogas não são os mais honestos? Pelo menos não negam e nem agem como se fossem melhores, estão na merda.
Não estão se escondendo.
Não que eu quisesse ser uma drogada ou algo do tipo, mas queria poder me assumir, completamente perdida e longe do tal progresso. Do sucesso.
Ao voltar para casa passo no sacolao afim de repor algumas verduras e frutas. Como faço toda sexta feira.
Carregando as sacolas, um pouco pesadas, noto o carro de Felipe reduzir a velocidade do meu lado.
- Te procurei o dia todo. - ele diz e para o carro. - Entra aí.
- Eu não quero falar com você. - apresso meus passos, sentindo o sangue já ferver de irritação. De repente as sacolas ficaram até leves.
- Qual é? Essas sacolas devem estar pesadas e você está grávida.
Paro de andar imediatamente. Era tudo o que ele não deveria dizer.
Vou até o carro, abro a porta de trás e coloco todas as sacolas lá dentro.
- Realmente. Está na hora de eu me posicionar e cobrar o mínimo de você, já que não é homem para fazer as coisas por si só. Ou melhor dizendo, já não faz por ser homem mesmo. Todos uns frouxos, bananoes.
- Como é que é? - ele franze o cenho irritado.
- Leve para minha casa. Eu não vou entrar ai. - começo a correr e entro numa viela, assim ele não poderia me seguir.
Tudo o que eu menos precisava era de uma gravidez estressante. Parece que estou vivendo no inferno.
Cerca de dez minutos depois chego em casa. Felipe já estava no portão me esperando chegar. Estava lindo como sempre, o cheiro gostoso do perfume dá pra ser sentido de longe.
Abro o portão em silêncio e entro, sem pegar nenhuma das sacolas. Felipe traz todas e ao chegar na cozinha as coloca no balcão.
- Porque não veio de carro comigo?

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Me Espera
Chick-LitO meu maior sonho, com certeza é, ter a vida digna que mereço e para isso sempre corri atrás, achava que qualquer preço poderia pagar, mas não é bem assim. Como no mercado, há sempre aquele produto que você não pode levar, na loja sempre tem aquela...