LUTO

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Mirella Águiar

eu tenho uma teoria de que a pior dor do luto não vai ser o velório ou o enterro, vai ser quando você estiver seguindo sua vida normalmente até se deparar com uma situação e pensar "nossa aquela pessoa iria amar isso" e assim ser esmagado pela imensa dor do luto e a realidade de que tudo acabou para sempre.

minha cabeça estava com milhares de pensamentos, mas eu só conseguia me perguntar " ela estava tão bem, porquê isso?". e sabe o que mais dói? é que eu nunca vou ter uma resposta pra isso.

eu ainda não consegui derramar uma lágrima sequer, logo eu que choro por tudo. minha ficha ainda não caiu, e acredito que vai sentir uma dor terrível quando isso acontecer.

depois do discurso do meu pai, que inclusive mal conseguiu falar, era minha vez de prestar minhas últimas homenagens a mulher incrível que Marga foi.

eu já estava na frente de todos que aqui estavam presentes, ele esperavam pacientemente por minhas palavras. alguns se acabando em lágrimas, outros só com uma imensa tristeza no olhar. cada um lidando com sua dor de um jeito.

- a dor de perder alguém é um sentimento que não se explica, não há sinônimos para tentar ousar à explicar. lágrimas dolorosas que não param de rolar, que nunca vão parar de sempre ter aquela agonia agonizante que fica lá no fundo mas não tem explicação. como teria? como explicar que o cheiro habitual da pessoa nunca mais vai ser sentido, a voz nunca mais ouvida. a dor é incontrolável, e se alguém perguntar "como lidar com a saudade?" a resposta é simples, não existe lidar com a saudade. Marga vai para sempre ficar em nossos corações, em nossas memórias, e para sempre vai ser a minha saudade. - ao terminar meu discurso volto para meu assento, e encontro conforto nos braços de Elisa. que veio para Barcelona assim que soube da notícia.

e ali em seus braços me senti acolhida, porque pra mim seria muito mais difícil lidar com isso tudo sozinha.

Gavi nem sequer pisou aqui, muito menos Pedri. nem tive tempo de conversar de fato com Elisa para saber sobre eles.

(...)

e depois de muita correria ainda resolvendo a papelada do velório, decido encarar o meu medo e ir até o caixão.

e lá estava ela, a mulher que me fez enxergar o verdadeiro significado da palavra mãe, que pra mim foi muito mais mãe do que minha própria mãe. e vê-la nesse estado me destrói de pouquinho em pouquinho, como se a vida estivesse me dando a oportunidade de sofrer devagar pra não machucar tanto.

não fiquei muito tempo ali, pois não era dessa maneira que eu queria me lembrar da Marga. quero me lembrar dela sorrindo, levando a vida de uma maneira leve e autêntica, não deitada em um caixão totalmente pálida e gelada.

sentada novamente em meu assento, escuto Elisa alterar o tom de voz com alguém. e quando me viro para ver quem era fico surpresa com tamanha falta de caráter desse ser humano.

me levanto e vou até lá.

- o que você está fazendo aqui? será que não consegue ser menos insensível não?.

- Mirella ele já estava indo embora, não é Matheo?!. - Elisa fala mas Matheo fica em um profundo silêncio só me encarando.

- vem cá Mirella, você acha que o mundo gira ao seu redor? eu não estou aqui por você, bem que eu queria mas não é!. - ele é firme nas palavras. - estou aqui por aquela mulher deitada naquele caixão, como você acha que estou me sentindo vendo a mulher que me deu a vida morta e gelada naquela caixa de madeira?. - como é que é?. - eu cansei Mirella, se o seu pai não te contou tudo ainda por medo de como a filha mimadinha dele iria reagir, acho melhor ele contar logo. - ele passa por mim trombando em meu ombro.

era muita coisa para assimilar em um único dia, mas não pode ser. Marga é a mãe dele? é por ela que ele estava todo esse tempo no hospital? e porque não contar isso a mim?. são tantas perguntas.

mas esse não era o momento de perguntarmos nada, e sim aproveitar o pouco momento que ainda tínhamos com Marga ao nosso lado.

(...)

e depois de já não ter chegado mais ninguém, era o momento de nos despedir de vez, pois já iriam fechar o caixão.

e quando me dei conta todos se ajoelhavam sobre ele chorando e se perguntando o porque disso ter acontecido.

permaneço em meu lugar apenas com um semblante triste, mas nenhuma lágrimas sequer descia. até que sinto umas mãos quentes tocarem no meu ombro, e apenas sentindo já podia imaginar quem era.

- Gavi! - o abraço fortemente e ele não podia retribuir de outra forma. nossa sintonia era mais forte que qualquer outra coisa.

- sinto muito meu amor. - ele beija meu ombro. - por tudo que aconteceu hoje e pela Marga, sei o quanto ela era importante pra você.

- obrigada. - dou um sorriso fraco.

- depois se você quiser a gente pode conversar sobre tudo que rolou. - ele olha nos meus olhos e fala calmamente.

- claro. - falo e volto pro seu abraço, pois ali estava sendo meu refúgio.

mesmo com tudo o que aconteceu hoje entre mim e o Gavi, seu abraço continua sendo o melhor lugar no mundo pra mim. algo faz eu querer ficar cada dia mais perto dele.

(...)

eram 18:00 da tarde, e já tínhamos ido embora do enterro. foi uma sensação horrível ver ela sendo colocada à sete palmos da terra.

nesse exato momento me encontrava sentada na areia da praia observando o pôr do sol e o balançar das ondas. junto comigo estava Gavi, Elisa e Pedri. todos em um silêncio ensurdecedor.

não foi o melhor momento para reencontramos Elisa, mas mesmo assim creio que Pedri gostou de revê-lá.

Gavi passa sua mão por meu ombro fazendo com que eu apoiasse minha cabeça nele. e olhando aquele sol se pôr, com aquele vento bantedo em nós, foi o único momento em que me bateu uma vontade de chorar.

as lágrimas rolavam por meu rosto, mas não de forma exagerada, elas caiam calmamente. assim como o balançar das ondas do mar.

sabe qual o pior fato sobre perder alguém pra morte? é que não importa o quanto você chore, não importa o quanto você enlouqueça com a ausência, não importa o nível da sua dor, nada vai trazer a pessoa de volta. a dor do luto é algo que nunca passa, e ela dói pro resto da vida.

Meu Único Amor - 𝑷𝒂𝒃𝒍𝒐 𝑮𝒂𝒗𝒊Onde histórias criam vida. Descubra agora