Capítulo 66

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Tudo começou a se normalizar.
Os alunos da U.A iam assistir a cerimônia de formatura e voltar a assistir as aulas no dia seguinte, mas eu ainda tinha umas coisas pra acertar antes de voltar pra escola.
Eu conhecia bem aqueles corredores da Tartarus. Aquela era a ala onde Kuroguiri fora posto.
E agora eu estava ali pra fazer outra entrevista.
Meu coração se apertava mais a cada passo e quando o detetive Tsukaushi abriu a porta pra mim eu conseguia me sentir inteira pulsando também.
Respiro fundo. Tento me acalmar.
Dessa vez eu estava sozinha.
Ninguém iria gravar a conversa de fora. Só eu iria entrar.
Eu iria conversar com ela e entender seus motivos para que as autoridades pudessem julga-la de forma adequada. Pra que eu pudesse entender ela melhor.
Porque ela podia ter sido minha nemesis, mas antes disso era minha amiga. E trocou tudo por um cara que queimou feito um palito de churrasco pra tentar destruir a própria família.
Mas minhas emoções eram um misto de raiva, amargor e tristeza mesmo assim. Muitos vilões morreram e ela tinha conseguido viver. E eu não sabia o que pensar sobre isso.
Dou um passo pra dentro. Me sento na cadeira em frente a parede de vidro.
A porta é fechada atrás de mim e só então eu tenho coragem de erguer o olhar e encarar a garota do outro lado da janela.
A primeira coisa que noto é que há um desacelerador de partículas no teto e que ela está acorrentada ao chão.
Engulo em seco.
- Vi que tomaram o cuidado de não te deixar usar sua individualidade- consigo dizer, minha voz estranhamente fria.
Hari sorri largamente pra mim.
- Eu não posso nem pensar em algo assim.
Claramente ela não era a mesma estudante universitária que eu tinha conhecido. O cabelo curto agora era todo queimado nas pontas e ela tinha duas cicatrizes feias, uma na base do pescoço causada por Yugoo e outra de queimadura atravessando sua testa.
Ela também parecia mais psicótica de modo geral. Parecia sorrir sem motivo e se divertir com aquela situação.
- Então a que devo a honra, Shirakumo?- ela se inclina pra frente e se ajoelha o mais perto do vidro que as correntes permitem.
- Eu quero te fazer umas perguntas- respondo.
Ela ri histéricamente por uns segundos.
- Vá em frente então. Porque não há mais nada do All for One que eu posso fornecer ao seu governo patético.
Suspiro.
- Na verdade sou eu quem quero saber de você- me inclino pra frente- Porque eu ainda não consigo processar que a mesma garota que me protegeu nos corredores da Yakusa me matou.
Ela dá um sorrio caótico e puxa as correntes pra frente com tudo.
- Ah sim. E acredite eu te odeio por ter conseguido sobreviver.
Baixo o olhar.
- O que aconteceu?
Um momento de silêncio entre nós. Ela simplesmente não diz nada.
Então começa a rir novamente.
- O que aconteceu foi que eu desisti da vida. Porque eu percebi que os heróis não valiam a pena.
- Porque o seu pai morreu em sacrifício da sociedade?- volto a olhar pra ela.
Hari se ajoelha e se alonga ao máximo até quase encostar o rosto no vidro.
- Não. Ou melhor sim, mas esse foi só o estopim pra eu me libertar- ela desiste de se aproximar e cai estendida no chão com um baque- Eu sabia que a sociedade heroica era corrupta assim que conheci o Toya.
Aquilo me deixou curiosa. Na hora em que ela mencionou o relacionamento dela com Dabi eu estava cega de raiva. Não parei pra pensar no quanto esse mero detalhe poderia ser na verdade o que a movia totalmente.
- Então você o conhecia antes da Liga?
Sua expressão se suaviza para algo que parece nostalgia. Ela se ergue e encara as próprias mãos.
- Sim. Como você acha que ele se escondeu por todo esse tempo e treinou suas habilidades?- ela balança a cabeça- Eu o ajudei e o escondi até ele decidir entrar pra Liga.
- Mais alguém sabia disso?
Ela estreita os olhos pra mim, como se eu fosse uma criança pra quem ela estava explicando um assinto difícil.
- É claro que não. Ele confiou o suficiente em mim pra eu ajudá-lo. E como eu tinha recursos pra tal, não foi um trabalho difícil.
Engoli em seco e assenti.
No final, aquela era uma história de amor bem tóxica. Era visível que o Dabi parecia só estar usando a Hari. Mas ainda assim...
- Como ele era quando estava com você?- pergunto e ela parece surpresa ao ouvir aquilo.
- Gentil na maior parte do tempo- ela balança a cabeça- Não que você vá acreditar em mim.
- E porque não?- retruco- Você também Era a pessoa mais gentil comigo antes de decidir que eu tinha que morrer.
- Você entrou no meu caminho- Hari range os dentes e cospe no vidro que nos separa- O que foi um tremendo desperdício de potencial. Você poderia ter tido muito mais como vilã.
Mordo o lábio. Hitoshi havia me contado  que, uma vez, um garoto do curso de Serviços Gerais lhe disse algo muito similar àquilo. E mesmo assim, ele nunca desistiu de usar sua habilidade pro bem. Acho que tudo dependia do sua própria ética.
- Não sou eu que estou presa num manicômio- respondo e me levanto- Não sou eu que queria matar e escravizar toda a população mundial. Não sou eu que perdeu tudo o que amava por um objetivo fútil.
Ela fica em silêncio. A expressão friamente neutra e concentrada. Quase parecia a mesma de antes.
- Mas se você quer saber, eu te perdoo- continuo- Porque você errou, mas nunca desistiu daquilo que acreditava ser certo. Mesmo que isso tenha sido fruto de uma manipulação.
Faço uma pausa. Respiro fundo.
- Agora eu entendo o que te levou a tudo isso. E talvez no fundo pareça nobre, se não considerado o fato de que ele te obrigou a espionar a própria família por vingança- dou um sorriso fraco- E de que você foi capaz de matar a única que confiou cegamente em você.
Ela volta a se sentar, mas agora seu olhar me fulmina. Não diz mais nada por um bom tempo.
Me viro pra sair e aceno em despedida. Assim que eu encosto a mão na porta ela me responde.
- Agora acho que já é muito tarde pra mudar qualquer coisa não é?
Viro a cabeça em sua direção. Maneio a cabeça e lhe dou um último sorriso.
- Nunca é. Não se você se empenhar.

Rainha FantasmaOnde histórias criam vida. Descubra agora