Capítulo 51

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Parte de mim me instruiu secretamente a parar de desmaiar nas piores horas. Acordei no meu quarto na casa do Koichi com um tampão sobre o olho esquerdo e uma dor de cabeça infernal.
Me levantei e me deparei com Koichi, Kaz, Yugoo e Soga me assistindo.
- Anami?- perguntou Soga calmamente - Você está bem?
- Acho que sim- respondo franzindo a testa- O-o que aconteceu? Digo, com o hospital e...
- Tiramos todos os pacientes de lá- respondeu Koichi, suspirando aliviado - Apenas a médica que caiu próxima A você não sobreviveu à queda.
Ele disse aquilo de forma banal, mas a notícia me atingiu como um trem em alta velocidade. Aquilo doeu tanto pra mim quanto a morte dos meus próprios pais.
Respirei fundo algumas vezes, tentando engolir as lágrimas e me acalmar, mas não consegui segurar a avalanche que eram meus sentimentos no momento.
- Você está bem mesmo?- perguntou Yugoo se inclinando pra frente, apoiando os braços nos joelhos.
- Só, um pouco chocada- respondo em um sussurro rouco- Aquela mulher era a mãe do Shinsou.
Kazuho arregalou os olhos e se aproximou de mim. Ela me deu um abraço e encostou a cabeça na minha.
- Ah, Annie- ela disse e eu comecei a sentir as lágrimas escorregam pelo meu olho bom. Me permiti ser envolvida e comecei a me sentir ligeiramente melhor, apesar do peso da culpa ainda estar alojado no meu peito- Você fez tudo o que pode. Não se culpe por isso.
Quando eu consegui parar de chorar percebi que os outros três continuavam me encarando. Funguei e limpei as lágrimas, meio envergonhada e confusa.
- O que foi?- perguntei meio sarcasticamente- Meu olho está tão ruim assim?
- Anami você foi atingida por um parasita conhecido como Abelha Rainha, no olho direito- explicou Soga depois de um instante de silêncio desconfortável.
- Espera, o que?- pergunto franzindo a testa.
Então ele me explicou que a Abelha Rainha era uma individualidade parasita que se apossava do cérebro da vítima e a controlava. Basicamente, uma única abelha entrava por um dos olhos da pessoa e escavava o crânio até se alojar no cérebro e usar a pessoa até mata-la e então procurar outra vítima.
Fiquei boquiaberta e repentinamente com um nojo enorme. Instintivamente ergui a mão esquerda e levei até o tampão no olho.
- Nós tentamos tirar ele de você- Kaz continuou- mas parece que a Abelha Rainha se fundiu ao seu cérebro.
- Só que por algum motivo parece que você ainda está sob controle de si mesma- Soga inclinou a cabeça e continuou me examinando - A coisa mais percetível sobre o parasita é que ele faz a pessoa se comportar de um modo completamente diferente.
Olhei pra minhas próprias mãos e balançei a cabeça.
- Isso explica a dor de cabeça, mas não me sinto diferente- dei de ombros - Talvez o controle do parasita não tenha efeito em mim porque minha individualidade bloqueia poderes de controle.
- O problema é que isso também impede ele de ser retirado- disse Yugoo- Então acho que agora você também tem a individualidade da Abelha Rainha.
- É um chute mas não uma certeza- ressaltou Soga- Mas ainda assim, eu creio que é melhor você passar em um médico de verdade pra ter certeza disso.
- E é por isso que você vai voltar pra U.A- disse Koichi que passara esse tempo todo quieto.
Suspirei. Ele havia me avisado que se alguma coisa perigosa acontecesse eu iria ter que voltar pra escola. Mesmo que eu não quisesse mesmo voltar, eu entendia que não tinha escolha. A Abelha Rainha estava me assustando muito e só de saber que aquilo poderia me matar, descobrir mais sobre ela e o seu efeito em meu corpo se tornou uma prioridade.
- Eu já tive que enfrentar a Abelha Rainha uma vez e eu odiaria te ver sofrer por causa dela também- ele continuou e afastou uma mecha do meu cabelo. Nunca antes o Koichi me parecera tanto um pai como agora, mesmo que a diferença de idade entre nós dois não fosse tão grande assim.
- Queremos que você fique segura - completou Kazuho sorrindo gentilmente pra mim. Então ela apontou pro olho direito. Eu sabia que aquele olho era falso, mas então eu me dei conta de que ela e o Koichi estavam tão preocupados comigo porque aquilo também já acontecera com ela. Ela fora uma vítima da Abelha Rainha e sobrevivera- Falo isso por experiência própria.
- O Yugoo vai com você também- disse Soga e meu parceiro baixou o olhar - Mas nós vamos continuar trabalhando pra conter um pouco o caos daqui.
Ele então abre uma pequena maleta e mexe nela por uns instantes, até pegar um olho de vidro embalado numa caixa transparente.
- Se você quiser eu posso colocar em você.
Mordo o lábio e observo o objeto com uma atenção desnecessária. Aquilo era bizarro, mas saber que agora eu tinha uma colmeia no cérebro era ainda mais, então colocar um olho falso pra substituir o que eu perdi não me pareceu tão ruim.
- Acho que vai ficar menos estranho que uma órbita vazia- respondi e dei de ombros, me preparando psicologicamente pra voltar à U.A.

No dia seguinte Koichi arranjou as coisas com a escola pra eu me alojar no meu dormitório novamente e pra que Yugoo fosse recebido também.
Eu estava fazendo as malas quando meu amigo bateu na porta do meu quarto. Me virei e o vi apoiado no batente da porta.
- Tá pronta?- ele pergunta.
- Fisicamente ou emocionalmente?- questionei e ele riu fracamente.
- Olha eu devo dizer que eu também não estou nem um pouco disposto a ir.
Fechei minha mala e a coloquei no chão. Então eu estreitei os olhos pra ele.
- Verdade. Porque concordou em ir?
Ele deu de ombros e desviou o olhar pro chão. Yugoo não era um cara de muitas palavras e também não costumava se importar muito com as pessoas.
- Você é irritantemente descuidada. Alguém tinha que ficar de olho.
Sorri timidamente. Sabia que aquilo queria dizer que ele se importava.
- Isso é comovente. Mas você sabe que já tem um cara de quem eu gosto né?- pergunto e me arrependo de ter trazido a figura do Hitoshi a mente, porque agora sempre que eu me lembrava dele, eu lembrava do acidente no hospital.
- Engraçadinha- ele diz e rola os olhos - Eu não tô interessado.
- Em mim?
- Em ninguém- ele pega minha mala e faz um sinal pra eu segui -lo- Vamos, antes que eu desista.
Nesses últimos dias eu tinha me tornado praticamente inabalável. Tanta coisa aconteceu em tão pouco tempo que parecia que meu organismo filtrava más notícias pra eu impedir de me machucar emocionalmente.
Mas agora tudo que eu acumulei parecia estar vindo de uma vez pra cima de mim.
Dei uma última olhada no meu quarto antes de o seguir e começar a sentir novamente um nó se formar em minha garganta.

Rainha FantasmaOnde histórias criam vida. Descubra agora