Capítulo 36

12 1 0
                                    

Comecei a ouvir um zunido que logo tomou forma e se transformou na voz irritada de Luna.
- Mas que droga hein! Ela mesma tenta me impedir de me sacrificar e agora ela acaba assim...
Minha visão começa a clarear e agora eu consigo ve-la conversando com a Shizuka. Também consegui ver melhor meus arredores e perceber que eu estava no hospital.
- Olha pelo lado bom. Ela vai acordar...
Luna xingou e olhou pra mim. Seus olhos se arregalaram quando ela me viu acordada observando-as.
- Annie!
Ambas praticamente pularam em mim e me abraçaram. Eu tentei retribuir o gesto, mas me arrependendo instantaneamente ao sentir uma pontada nos meus pulmões.
- Oi pessoal - digo, sentindo a garganta seca - Como vão as coisas?
Luna se afasta e enxuga as lágrimas.
- Ah, bem tirando, você quase morrendo!
Olho pra baixo com um sorrisinho.
- Parece que agora estamos quites, não?
Shiz balança a cabeça e morde o lábio.
- Annie nós ficamos preocupadas. Achamos que você podia...
- Morrer?- completo e faço um esforço pra me erguer nos cotovelos - Eu não posso morrer. Minha individualidade bloqueia isso.
- Mas ainda pode ficar seriamente ferida - interpôs Luna - Se não fosse isso você com certeza teria morrido. Assim como o Sir...
Arregalo os olhos.
- Como assim? O Sir Nigtheye ele...
- Faleceu ontem - explicou Shiz, a voz baixa atingindo um tom mais profundo de tristeza.
E então eu me dei conta de que elas tinham razão. E de que meu sacrifício tinha sido, em parte, vão.
- A Eri- começo a dizer, minha cabeça trabalhando a mil pra tentar absorver tudo que estava acontecendo- Ela está bem? O Mirio e os outros ? Todos os outros estão bem?!
Minhas amigas se entreolham. Era claro pra elas o desespero que eu deveria estar sentindo.
- Sim. Estão todos bem- respondeu Luna e segurou minha mão- Annie você não precisa se culpar por nada. Você fez tudo o que podia pra ajudar.
Balanço a cabeça e fecho os olhos com força.
- Não. Eu podia ter salvado o Sir. Eu podia...
- Nenhum de nós podia ter feito muito mais - disse uma voz a porta e eu me virei pra ver a Hari apoiada no batente - Demos nosso melhor.
Dava pra ver que ela parecia exausta e acabada, fisicamente e emocionalmente.
- Hari, eu sinto muito...- começo sentindo as lágrimas brotarem em meus olhos.
- Ei- ela diz e se aproxima, colocando uma mão em meu ombro - Você não precisa sentir. A perda faz parte das nossas vidas e nós devemos seguir em frente por aqueles que já foram - ela de da um sorriso triste, não me convencendo de que ela realmente estava sendo sincera.
De repente eu peguei a mão dela e apertei com força. Ela me encarou confusa quando percebeu o que eu estava tentando fazer.
- Poupe sua energia, sério- ela colocou minha mão entre as suas - Eu quero que você fique bem. E meu pai está em um lugar melhor agora. Eu vou sentir falta dele, claro. Todos vamos - ela balançou a cabeça- Mas não adianta ficar remoendo o passado. Temos que focar no futuro e fazer dele algo brilhante.
Consigo fazer que sim com a cabeça, mas ainda sentindo um nó enorme na garganta.
Depois de ser atualizada sobre o fim da batalha e o resgate da Eri pelas três uma enfermeira entrou no quarto e veio checar meus sinais vitais, acabando com o horário de visitação.
Enquanto eu era examinada, eu comecei a relaxar, afinal, a missão tinha dado certo no final. Nos custou caro, mas também nos deu o valioso preço de ter uma garotinha agora sã e salva.

Tive que passar mais dez dias no hospital antes de ser liberada para voltar ao dormitório da U.A e ainda assim eu tinha que ficar de cadeira de rodas pra que eu movimentasse o mínimo possível pra não causar uma hemorragia interna. Os médicos explicaram que eu era apenas imune se conseguisse entrar no estado de plasma antes de ser atingida e, como aquele não foi o caso, eu ainda podia morrer por causa daquilo. Decidi deixar esse pequeno detalhe em segredo pra ninguém se preocupar comigo.
A professora Midnigth tinha ido me buscar no hospital e agora ela arrastava a cadeira de rodas até o meu quarto, contando histórias da época de escola do meu irmão. Eu ainda não tinha coragem de encara-lo realmente mas era reconfortante ouvir sobre ele.
- Obrigada professora - digo quando ela empurrou a cadeira pra dentro do meu quarto.
- Se precisar de qualquer coisa, pode me chamar Annie - ela disse e se retirou.
Eu esperei uns minutos até ter certeza de que ela tinha saído pra agarrar os braços da cadeira e tentar me levantar, coisa que eu não deveria fazer, mas eu não conseguia aguentar ficar parada e dependendo dos outros pra coisas tão simples como ir pro meu quarto.
Usei os braços pra guiar meu corpo pra frente, mas então uma pontada no peito me fez cair de volta na cadeira, arfando. Fechei os olhos. Eu ainda não tinha forças pra aquilo.
Então eu ouvi uma batida na minha janela e virei a cadeira pra olhar o que era.
Parado no batente do lado de fora estava Hitoshi. Ele acenou e pediu pra eu abrir a janela trancada.
Consegui reunir fôlego o suficiente pra guiar a cadeira até lá e abrir a janela. Assim que eu fiz isso, meu amigo se sentou no batente a minha frente e sorriu pra mim.
- Oi- disse depois de um momento em que ele ficou só me encarando.
- O que aconteceu com você?- ele pergunta - Digo, eu sei que você foi em uma missão no estágio, mas...- ele balança a cabeça - O que você foi fazer exatamente?
- Salvar uma garotinha - respondo e esboço um sorriso - E eu ainda acho que não fiz o bastante.
Ele desce da minha janela e se ajoelha a minha frente, me encarando com os olhos semicerrados. Então ele balança a cabeça e começa a rir.
- Pelo seu estado, você fez bem mais do que o bastante.
- Você sempre pode se superar e alcançar bem mais- contraponho e dou de ombros- Mas tá bom, agora me diz: o que você está fazendo aqui?
Ele dá de ombros.
- Eu vim te atualizar e me oferecer pra te levar por aí.
Pisco surpresa. Dentre todas as pessoas que eu conhecia, ele era o menos provável de se propor a levar uma garota do curso de heróis em sua cadeira de rodas pela escola, porque ela mesma mau tem forças pra isso.
- Hitoshi você não precisa fazer isso...- digo e mordo o lábio- Me referindo a me levar por aí. Porque eu ainda quero ser atualizada do que se passou nesses dez dias em que eu estive fora.
Hitoshi revirou os olhos.
- Você passou semanas me ajudando a treinar sem que ninguém insistisse pra você estar lá todo dia com um novo treino preparado - ele inclina a cabeça e me dá um meio sorriso- Essa é minha forma de retribuir.
Ele fica de pé e começa a andar de um lado pro outro na minha frente, parecendo um tanto inquieto.
- Bom, quanto ao que aconteceu nesses dez dias, eu fiquei sabendo que fizeram o funeral do Sir Nigtheye, por aquela sua amiga do curso de apoio - Arregalei os olhos ao ouvir o nome da Shizuka, me perguntando em que situação ela podia ter ido falar com o Shinsou. Então eu me lembrei da máscara da Persona Records que ela tinha dado pra ele e resolvi não dizer nada- E o início do planejamento das atrações pro festival esportivo, o que, na verdade, é outro motivo pra eu ter vindo falar com você.
Eu tinha me esquecido meio que completamente daquele festival, então quando ele me disse que precisava da minha ajuda pra alguma coisa relacionada àquilo eu ri e no mesmo instante parei ao sentir uma pontada.
- Toshi, eu não sei fazer absolutamente nada- balanço a cabeça- A professora Midnigth contou o que a minha turma está planejando e eu mesma falei que não me importo em ajudar só na organização. Justamente porque eu não tenho talento artístico algum.
- Mas é uma das melhores organizadoras que eu conheço- ele retruca com um sorrisinho - Além de uma das pessoas com maior controle da própria individualidade.
Estreitei os olhos e juntei as mãos no colo, numa postura de investigadora.
- Acho que entendi. Mas pra que você quer que eu use minha individualidade? Digo, no momento tudo que eu posso fazer é invocar fantasmas.
Um sorriso meio malévolo surgiu em seu rosto.
- Mas é exatamente isso que eu ia pedir pra você fazer.
Então ele me explicou que a turma C estava fazendo uma casa mau assombrada, e que eles iriam se dividir em turnos entre as atrações da casa, mas que gostariam de algo que pudesse dar medo de verdade sem ser tão assustador assim.
- Vocês já tem alguma ideia do que fazer?- pergunto e ele faz que não com a cabeça.
- Nem ideia. Por isso eu quis falar com você. Achei que talvez você pudesse ajudar em uma atração depois que a apresentação da sua turma acabar - ele franze a testa - Ou quando o seu trabalho lá acabar.
Achei aquele Shinsou preocupado e cheio de dúvidas uma versão muito fofa do meu amigo que normalmente tá nem aí pra nada. Então fiquei brigando comigo mesma por ter sequer pensado algo daquele tipo.
- Eu tenho uma ideia- digo e sorrio - Mas eu vou precisar que você me mostre a casa pra ver se vai dar certo.
Ele assente e então, pra minha surpresa, ele avança e me abraça, com cuidado pra não me machucar no processo.
- Obrigado, de verdade - então ele da a volta e segura os suportes atrás do encosto e virou a cadeira de rodas pra porta - Eu vou levar você lá, então.

Fomos passando pelo pátio cheio de gente trabalhando em um monte de coisas, se preparando pro festival cultural.
Eu pedi pra ele parar na área da minha turma um instante pra que eu pudesse conversar com eles sobre nosso projeto. Eu ia deixar em segredo a parte em que eu estava ajudando a turma C.
- Está indo tudo de acordo com o planejado Anami!- disse Sero pra mim - Eu só ia pedir se você não podia dar uma olhada na planta do ginásio pra sabermos a disposição certinha de onde vamos colocar as coisas.
Faço que sim com a cabeça.
- Até o fim do dia eu entrego ela pra vocês. Aí amanhã podemos treinar os efeitos pra ver se precisamos ajustar alguma coisa.
- Combinado, então! - ele sorri e se afasta - A gente se vê, Annie!
- Eu disse que você era boa- Hitoshi sussurrou pra mim e continuou a mover a cadeira de rodas.
Então eu pedi pra ele parar de novo, quando vi a Luna, o professor Aizawa e a Eri conversando.
Eu sabia que minha amiga tinha passado por muitos momentos difíceis e que, portanto, ela era a melhor pessoa pra ajudar a Eri a se ajustar.
Fiquei sabendo que agora ela ficaria conosco, no dormitório dos professores, porque o professor Aizawa era o único que conseguia manter a individualidade dela sob controle pra que ela mesma pudesse se sentir segura em usá-la. Aquilo era realmente com o se ele estivesse adotando-a também, então esse era outro ponto em comum entre a Eri e a Luna.
As duas se encaravam com um brilho de reconhecimento nos olhos. Assim que a Luna se abaixou pra ficar no mesmo nível que a Eri, a garotinha sorriu e apertou a mão dela alegremente. Então as duas saíram pra fazer alguma coisa enquanto o professor Aizawa olhava as duas com orgulho.
- Sei que ele não vai admitir, mas ele gosta de criança- disse Hitoshi quando continuamos a andar pelo pátio.
Ergo o olhar e sorrio pra ele.
- É. E você sabe que isso te inclui também, né?
Ele da risada e rola os olhos. Balanço a cabeça e rio junto com ele, pela primeira vez, não sentindo a dor do meu ferimento.

Assim que Hitoshi fez um tour pelo esqueleto da casa mal assombrada da classe C eu sabia exatamente o que eu podia fazer.
- Eu tenho uma ideia. Tudo que eu vou precisar é que vocês façam uma sala de jantar e que ela possa ser vista de uma varanda - respondo e o olho de cima a baixo- Digo, se não for dar trabalho.
Ele deu um risadinha e balançou a cabeça.
- Sem problema. Mas o que você vai fazer nessa sala de jantar?
Dei de ombros e o olhei de esguelha.
- Você vai ver.

Rainha FantasmaOnde histórias criam vida. Descubra agora