~Gabriel~
Melissa me olhou, esperando que eu começasse a falar.
Eu coloquei os pensamentos em ordem, suspirei e comecei:
— Meu pai, Rodrigo, nunca foi muito... presente. Só nos víamos aos fins de semana, por ele ser separado da minha mãe, Maria, que era a melhor do mundo. E tudo aconteceu de repente, sabe? Era uma sexta-feira, eu tinha treino do futebol e faltava dois dias para o torneio, eu não podia faltar e Mirella ficaria sozinha em casa. Nessa época, o índice de assaltos nesse bairro era absurdo e minha mãe queria que eu ficasse com Mirella, pelo menos até a hora que ela voltasse do trabalho, que acabava depois do meu treino. Minha mãe saiu, eu disse à Mirella que precisava sair e mandei ela ter juízo. Ela me pediu para ficar, mas eu disse que em menos de 2 horas eu estaria de volta.
Suspirei, sequei uma lágrima teimosa que caiu e senti Melissa unir suas mãos às minhas.
"Fui para o treino, mas eu sentia que tinha algo errado. Algo me dizia para voltar correndo para casa, mas eu ignorei. Era um idiota de 15 anos, amante de futebol que não ligava para nada. No intervalo do treino, peguei meu celular e vi que tinha uma mensagem de Mirella. E ela NUNCA me mandou mensagens de texto"
— E o que dizia na mensagem?
Conforme eu ia contando, fomos mudando de posição. Nós dois estávamos encostados nos travesseiros agora, eu com o braço sobre seus ombros. Seu rosto cada vez mais tomava expressões que parecia não acreditar no que ouvia. Nem eu acreditava no que estava falando.
—"CORRE!". Em letras maiúsculas. Foi aí que eu soube que algo realmente estava errado. Larguei tudo no campo e saí correndo para casa. O portão estava aberto, escancarado, e foi nesse segundo que o medo me dominou.
"Entrei correndo e, assim que cheguei na sala, parei. Fiquei paralisado. Havia um cara no chão, por cima dela. Suas roupas estavam rasgadas e ela gritava, esperneando para sair debaixo dele enquanto ele a estuprava. Mas ele era forte demais. E havia uma mulher ajudando ele a fazer o serviço, mantendo Mirella imobilizada no chão. Alguns segundos depois, ela me viu e tentou gritar por ajuda. Eu vi o terror em seus olhos e eu nunca vou esquecer deles. Então, o cara me viu. Tirou um revólver do bolso e o grito inacabado de Mirella se silenciou quando ele atirou em sua cabeça, fazendo sangue espirrar em minha camiseta e ensopar o chão e as paredes. O cara se levantou, arrumou as calças e veio até mim. Pensei que ele ia me matar, juro que pensei. Mas ele apenas disse: "se contar para alguém, sua morte vai ser pior que a dela". Ele bateu a arma em minha cabeça e eu apaguei."
À essa altura da história, eu já havia desistido de tentar não chorar. Deixei que as lágrimas rolassem soltas e as enxuguei com as costas da mão.
Fitei Melissa e vi que seus olhos estavam úmidos e traços de lágrimas cobriam seu rosto.
— Não sei o que te dizer, Gabriel.
Ela se agarrou a mim, em uma tentativa de mostrar que estava ali.
— Não fala nada.
Eu não queria que ela dissesse o que já ouvi de muitos. Não era necessário.
A apertei mais forte contra meu corpo e ficamos assim, abraçados na cama. Eu achava conforto nela. Melissa se aconchegou mais em mim e eu sequei suas lágrimas. Depois, ela secou as minhas.
— Depois foi a pior parte.
"Acordei no hospital com alguns pontos na testa. Não havia ninguém no quarto comigo, então apertei o botão para chamar a enfermeira. Demorei um segundo para me lembrar do que havia acontecido e comecei a chorar desesperado, perguntando para a enfermeira sobre a minha irmã. Ela apenas disse que no céu havia mais uma estrela e minha mãe chegou depois, com olhos vermelhos. Ela nunca disse que a culpa era minha. Mas, eu sabia que era. E ela também."
— Não foi culpa sua! Você era uma criança.
— Eu sabia dos riscos. E mesmo assim nem liguei. Se eu tivesse ficado em casa, talvez isso não tivesse acontecido.
— Ou talvez tivesse e vocês dois estariam mortos. Não se culpe por isso, você não merece.
Eu apenas balancei a cabeça e continuei:
"No ano que se passou, minha mãe entrou em depressão. Ficava no quarto o dia todo, eu quase não a via. E meu pai acabou meio que sumindo de vez. Pouco tempo depois, a minha mãe descobriu um câncer na faringe e se mudou para a casa da sua irmã, minha tia, Regina, em Bragança Paulista, para se cuidar. Antes de se mudar, ela conseguiu me emancipar. Eu não queria ir junto, não conseguia deixar essa casa, era difícil demais. Então fiquei. Como eu ficava a maioria do tempo sozinho, fui aprendendo a tocar os instrumentos que meu pai havia me dado de presente antes de sumir de vista. Com isso, vieram as ideias para fazer músicas e poemas, um atrás do outro. Coloquei ritmo nos poemas, que viraram música. Estão todos aqui".
Peguei o caderno preto que estava na cama.
— Ai só tem poemas e músicas? — ela perguntou, com uma sobrancelha arqueada.
Sorri. Ela estava se referindo aos desenhos.
— Não. Tem mais alguns desenhos, e um texto de inglês aí no meio — brinquei.
Ela sorriu.
— Desenhos de que?
— Droga, me pegou.
Ela sabia como me encurralar de um jeito doce.
Mais do que isso, ela conseguia silenciar todos os meus demônios mesmo em uma conversa séria como essa.
— De uma garota chata e mimada, que acha que manda em todos e faz birra para conseguir o que quer. — sorri fraco ao terminar de secar o rosto e a olhei.
A ponta do seu nariz ainda estava vermelha pelo choro, mas ela conseguia fazer meu humor mudar de destruído para alegre em 2 segundos.
— Mais algum adjetivo legal?
— Sim, ela é linda, engraçada, meio desajeitada, mas.. é uma ótima pessoa. E também meio rebelde.
— E isso é bom?
— Muito. Sabe por quê? Porque gosto dela.
Ela sorriu.
— Posso ver? — ela se referiu ao caderno.
— Tenho certeza de que já viu — levantei uma sobrancelha.
— Tenho certeza de que já escreveu mais coisas desde quando eu vi.
Droga, ela me pegou de novo. Peguei o caderno e o entreguei a ela, que o folheou, passando pelos desenhos e parando exatamente na última página, onde eu havia escrito uma música para Mirella, uma ideia que eu tinha tido há um ano, mas que só agora consegui colocar em prática.
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Os Opostos se Atraem? - Livro 1
Teen FictionO que faria se você conhecesse um garoto de aparência estonteante, discreto, que se refugia na música, porém, que é completamente o seu oposto, meio mal educado, egoísta e só se importa consigo mesmo? O que faria se você se aproximasse demais desse...