Capítulo 38

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~Gabriel~

Assim que deixei Melissa em sua casa, já enchi o tanque do carro e peguei a estrada. Ainda não eram 23 horas, e se eu tivesse sorte, chegaria na casa da minha tia, que era onde minha mãe estava, antes da 01:00 da manhã.

Minha mãe ligou a semana toda perguntando quando eu iria vê-la e me disse que estava com saudade. Claro que eu também estava. Mas vê-la 24 horas por dia numa cama sem poder fazer nada não era algo com que eu lidava fácil. O câncer simplesmente vem, como todas as estações do ano, como as vezes que você faz aniversário. Ele vem. Mas, diferente das aves, que migram quando o inverno chega, não podemos simplesmente nos mudar. E se fizermos isso, o câncer vem junto. Te destrói por dentro, depois te dá esperanças de cura. Depois volta e termina o serviço.

Mas eu não podia não ir. Já perdi minha irmã, faz anos que não vejo meu pai e se eu perder minha mãe, quero pelo menos que ela saiba que eu estava do seu lado, que ela não perdeu a mim, apesar de tudo.

Com o pen drive já conectado no USB do rádio, apertei o botão que ligava, e no instante em que Shattered Wings começou a tocar, Melissa me veio à mente. De alguma forma, aquela música significava o nome dela. Foi com essa música que chamei ela para ir em casa, foi a que ela mais gostou. Além de Paint Me Red, que também nos definia.

Me lembrei de quando a vi pela primeira vez nos corredores da escola. Correndo atrasada e toda desajeitada, espalhando vida por onde quer que passava. Sorridente. Com esperança no olhar, sempre corada, sempre de bom humor. Sempre com aquela personalidade completamente forte, que foi a responsável por ela empinar o nariz e cruzar os braços quando falou comigo daquele jeito mandão, que me fez querer rir na hora.

Nas aulas, sempre a mesma coisa: coque desajeitado com a franja perto dos olhos, óculos que escorregavam as vezes, cara de brava quando não conseguia fazer algo de matemática, uma baixinha adorável e linda. Mas irritante às vezes. Curiosidade além do limite do ser humano.

E mesmo sendo tão comum, ela era tão diferente. Não se afastou de mim, não pensava como os outros, não se deixava levar pela opinião alheia. Ela que fazia o próprio caminho. Agora eu sabia que havia sido exatamente isso que chamou minha atenção. Ela era determinada, forte, decidida e carismática como ninguém mais. Não era hipócrita, coisa da qual aquela escola estava cheia.

Me lembro claramente daquela maldita festa. A maldita noite que tirou dela quem ela era. Tirou sua liberdade, sua autoconfiança, tudo. Aquele maldito cara que a destruiu por dentro e por fora. Me pergunto o motivo disso ter acontecido a ela. Tantas pessoas por aí que não ligam para a vida, que não ligariam se morressem no meio da rua, e isso acontece justo com a pessoa da qual o mundo precisa para melhorar.

Não era justo com ela. Não era justo comigo. Prometi a mim mesmo que eu traria a antiga Melissa de volta. Eu estava quase conseguindo. Pedi perdão mentalmente pela semana que ficarei fora, que não estarei perto dela, sem saber o que faz, como se sente. Vai ser uma tortura tanto para ela, por não poder conversar com mais ninguém, quanto para mim, por não ter certeza se ela está se sentindo bem.

Merda.

Aquela garota simplesmente apareceu e quebrou todas as paredes que tinha feito em volta do meu coração com apenas um toque. Sem esforço. Bastou um sorriso para as paredes se auto destruírem repentinamente e deixar a passagem livre para ela, como quando você atira uma flecha. Ela vai reto, rodando em torno do seu próprio eixo e, se você for profissional, sempre acerta o alvo.

Melissa era como essa flecha. Meu coração era o alvo. E eu não me importaria de entregá-lo de mão beijada a ela.

Sinto uma conexão absurda com essa garota. Uma conexão, uma relação que não dá para explicar, mas que seria o suficiente para me fazer matar quem quer que chegasse para machucá-la. Ela me dá forças, ela me faz ter esperança de novo. Melissa só despertou coisas boas em mim, tanto que agora não enxerga a si própria. Mas eu vou traze-la de volta. É o mínimo que posso fazer pela minha princesa.

Eu me pergunto se ela ainda estaria comigo se soubesse de todas as merdas que fiz. Não só as que o povo inventa. As mais sérias, relevantes, que quase ninguém sabia, exceto uma pessoa.

Pessoa esta por quem sinto ódio, repúdio, que não sabe ver os outros além de si mesmo, que estaria disposto a arruinar minha vida num piscar de olhos.

Só ele sabe de tudo o que fiz, o que poderia ser perdoado e o que não poderia. O que era justo e injusto, o que era certo ou errado. E ele pode usar isso contra mim num estalar de dedos.

Renato.

Os Opostos se Atraem? - Livro 1Onde histórias criam vida. Descubra agora