Capítulo 27

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Os barulhos se seguiram por mais uma hora e eu aguentei. Mas, depois, foi como se eu não tivesse mais controle sobre mim mesma. Deixei tudo sair. Chorei, chorei baixinho para que Gabriel não escutasse. Eu tinha medo de descer as escadas e perder as forças, já que eu tremia demais, então fiquei ali, sentada no chão do corredor, encostada na parede de frente para o quarto de Mirella, encarando a porta atrás da qual Gabriel estava.

Quando deu duas da manhã, eu me levantei. Arrumei o seu quarto do melhor jeito que pude, jogando fora todas as coisas quebradas. Limpei o sangue do chão, joguei as drogas fora. Voltei tudo como deveria ser. A metade rasgada do desenho eu deixei em cima da escrivaninha. Ele decidiria o que fazer com aquilo depois.

A casa estava em silêncio havia mais de uma hora. Me aproximei da porta do quarto de Mirella e não ouvi nada. Será que está tudo bem? Se não estiver...

Coloquei a chave na porta e a abri sem fazer barulho. Sequei as lágrimas do rosto e entrei. Além do quarto estar destruído, a luz estava apagada. A única coisa que o iluminava era a luz da lua e dos postes da rua que entravam pela janela aberta. Gabriel dormia na cama. Estava jogado nela de um jeito torto, de costas, sua mão esquerda pendia para fora da cama. Rosto calmo. Semblante sonhador.

Acordo ele ou não?

Me sentei na cama ao seu lado. Seu braço estava com os cortes à vista e sangue seco em volta. Suas mãos estavam com manchas roxas e machucados nas juntas ocasionados por tantos murros.

— Ah, Gabriel... O que foi que você fez?

Eu falei baixo, mas foi o suficiente para ele abrir os olhos devagar. Não era a minha intenção acordá-lo e eu não sabia como ele estava.

Pensei em recuar, mas fiquei onde estava. Ele me olhou e franziu o cenho. Parecia querer entender o que eu fazia ali, como se não se lembrasse de nada do que houve mais cedo.

Quando seus olhos se arregalaram um pouco, percebi que deve ter se lembrado de tudo. Gabriel se sentou na cama com dificuldade, de frente para mim.

— Melissa... — ele estava com voz de sono, mas sóbrio.

Seus olhos marejaram enquanto ele me olhava. O azul de suas íris ficaram escuras pelas lágrimas que começaram a sair descontroladamente.

— Eu... Me perdoa. Por favor, me perdoa.

Meus olhos marejaram instantaneamente e eu nem tentei conter as lágrimas, mesmo já tendo chorado muito.

Peguei seu braço gentilmente e roçei os dedos pelos cortes e pelo sangue seco.

— Por que tudo isso? Por que isso? Isso? — gesticulei o quarto destruído.

— É verdade o que você disse? — ele perguntou.

— O quê?

— Que eu estava te machucando mais do que ... ele? — ele disse não mais alto do que um sussurro.

Gabriel se lembrava. Merda.

— Hoje, sim.

Ele tocou meu rosto com delicadeza e eu tombei a cabeça em sua palma, de olhos fechados.

— Me diz o que posso fazer para você me perdoar.

Eu o encarei.

— Pare de se machucar. Pare de fumar. Pare de se destruir, Gabriel.

Ele não respondeu.

— Vamos — falei, me levantando.

— Para onde?

— Tomar um banho, limpar isso — olhei para seu braço.

Ele assentiu com os olhos molhados e eu limpei uma lágrima que escorreu por seu rosto. Em seguida, ele passou o polegar por minha bochecha, limpando as minhas.

E tudo foi como da primeira vez em que vim aqui, mas ao contrário. Essa noite, eu que iria cuidar dele. Gabriel entrou embaixo do chuveiro só de cueca e eu tirei a blusa, ficando somente de sutiã e calça, que eu não me importaria de molhar, e entrei com ele no box, limpando os seus ferimentos e o sangue seco de seus braços.

Ele molhou os cabelos, jogando água no rosto.

— Me desculpa, Melissa.

As gotas d'água que escorriam por seu rosto realçavam o olhar triste.

— Tá tudo bem.

Ele devia estar cansado. Cansado e se sentindo culpado. Eu poderia conversar com ele sobre isso outro dia. Por hoje, ele só precisava descansar.

— Não, não está. Eu rasguei a única coisa que tinha para me lembrar de você todos os dias.

— Eu faço outro.

— Eu também sei desenhar. Sei que não sai a mesma coisa. — ele desligou o chuveiro.

— Posso tentar.

Peguei seu braço. Sem todo o sangue, apenas as cicatrizes apareciam, juntamente com os cortes novos.

Voltamos para o quarto e eu coloquei a minha blisa de volta. Ele colocou uma cueca seca, uma bermuda e uma regata, e nós nos sentamos em sua cama, ele do meu lado, ambos encostados nos travesseiros. Ele me olhou e eu precisei me agarrar em algo na superfície para não me perder em seus olhos. Eu os amava e poderia olhá-los para sempre.

— Mel.. eu... — ele começou.

— Shhhh. Não precisa falar nada agora, ok?

Me aproximei e depositei um beijo delicado em seus lábios. Eu sentia falta daquilo. Fazia menos de dois dias, mas para mim, parecia uma eternidade. Gabriel foi vindo devagar para cima de mim, cobrindo toda a minha extensão. Eu amava como me sentia pequena perto dele.

Depois de alguns beijos calmos e mais alguns sussurros pedindo desculpas, ele colocou uma mecha do meu cabelo para trás, beijou minha testa e se deitou ao meu lado.

Fitei sua tatuagem de anjo. Lindo. Gabriel percebeu e pegou minha mão, a colocando em cima do desenho. Contornei-a delicadamente. Asas, trajes, corpo. Tudo feito com precisão para que o Anjo Gabriel ficasse fixado na pele daquele que carregava seu nome.  

— Faria outro? — ele perguntou, se referindo ao desenho que ele havia rasgado.

— Faria.

Meus olhos já pesavam. Eram mais de quatro da manhã e eu estava exausta. E nós teríamos aula no dia seguinte. Que era sexta.

— Dorme comigo? — ele perguntou lutando contra o sono para manter os olhos abertos.

— Durmo — falei, sem rodeios.

Ele suspirou aliviado. Se ajeitou na cama e me puxou para o seu peito.

—Boa noite — ele sussurrou.

Os Opostos se Atraem? - Livro 1Onde histórias criam vida. Descubra agora