Claro que não dormi. Acordei de 5 em 5 minutos, preocupada com Gabriel, e o olhava para ter certeza de que estava bem. Ele não mudou de posição uma só vez: sempre deitado de costas, com a expressão serena. Eu percebia que ele dormia profundamente, e demoraria a acordar. No relógio marcavam 5:30 da manhã, sexta feira. Era o único dia da semana que minha mãe não me acordava de manhã para ir para a escola porque ela acordava mais tarde, já que seu turbo no escritório só começaria após às 09h00. Ou seja, ela não tinha como saber que eu não estava em casa.
Mandei uma mensagem para ela quando o relógio bateu 07h30 e disse que peguei o carro porque estava atrasada para a escola e tinha prova, mas que era para ela ficar tranquila porque eu estava bem e que isso não aconteceria de novo.
Eu não sabia como seria a reação dela, mas preferi seguir o ditado: é melhor pedir perdão do que pedir permissão.
Obviamente, hoje eu não iria à escola, estava exausta e só havia dormido duas horas durante a noite, mas eu sabia que eu não conseguiria pregar o olho mais.
Fitei o rosto de Gabriel mais uma vez, me concentrando em seus traços fortes. Maxilar, nariz e maçãs do rosto. Todos proporcionais. Lábios entreabertos, rubros, cabelos ainda bagunçados e os músculos visíveis sob a regata que usava.
Ele parecia uma escultura, uma obra de arte e me peguei imaginando seus traços esboçados em um pedaço de papel.
No quarto de Mirella, me lembrei, havia uma escrivaninha com alguns lápis e folhas A3, as que eu mais gostava de usar. Notei isso da última vez que estive aqui, mas guardei a memória no fundo da minha mente. Me levantei da cama devagar, tomando cuidado com meu braço machucado, e fui até o quarto dela. Demorei para achar um lápis no meio de tudo aquilo; Gabriel havia feito uma bela bagunça que ainda não havia sido arrumada.
Sentei-me na escrivaninha e comecei a desenhar. O desenho tomou dimensões enormes, maiores do que o primeiro, que estava destruído. Entretanto, mesmo sendo bem grande, ainda havia uma parte enorme da folha que estava vazia.
Corri a mão pela folha várias vezes deixando traços e mais traços de um esboço definido que formavam o rosto do garoto mais instável e protetor que eu já havia conhecido na vida. Passei horas o fazendo, sombreando as partes que não estavam expostas à luz imaginária.
Só vi que já estava tarde quando senti alguém tocar meu ombro. Me virei.
— Bom dia.
— Bom dia. Está melhor?
— Sim — ele disse com a voz rouca de sono.
Gabriel fitou o desenho que ainda estava em cima da escrivaninha. O desenho pegou praticamente apenas metade da folha, mesmo sendo maior do que o anterior. A outra metade estava em branco e me diverti pensando que algum dia eu podia desenhar o meu rosto ao lado do dele.
— Ainda não acabei.
— Você conseguiu. Está parecido. Mas este está melhor, bem melhor.
— Obrigada. Comecei logo que amanheceu.
— Não dormiu? — ele perguntou, a expressão de sono sumindo e dando lugar a uma expressão preocupada.
— Não consegui. Acordei o tempo todo.
Ele fitou o chão.
— Me desculpe por isso. Te pedi para ficar comigo aqui e você ficou, mesmo depois do que eu fiz com você. Não me admira que você não tenha conseguido dormir.
Eu dei de ombros devagar, olhando para outro lado.
Gabriel me pediu para olhar para ele e assim o fiz.
— Melissa, por que veio? — ele falou cauteloso — Como sabia que eu não estava bem? Como sabia que eu estava aqui?
Eu suspirei e encarei seus olhos azuis, que não desgrudavam dos meus.
— Eu sabia que você tinha visto o beijo que Renato me deu. Você saiu sem que eu pudesse ao menos falar com você. Deixou as flores e o bilhete lá, caídos na calçada, e eu fiquei me sentindo a pior pessoa do mundo depois que li. Tentei te ligar, mas você não atendeu as mais de 20 vezes que liguei. Então imaginei ter algo errado.
Parei de falar e encarei o chão, eu nunca consegui olhá-lo nos olhos por muito tempo.
— E como entrou aqui?
— Pulei o portão e caí.
Verifiquei meu braço machucado. Vários hematomas roxos tomavam conta da minha pele: os machucados no cotovelo e esfolados na mão pela batida de Renato, o braço e o joelho roxos e doloridos pelo tombo ao pular o portão. Tem sido uma semana complicada.
— Você se machucou?
— Só uma pancada. Nada demais.
Senti minha expressão mudar ao me lembrar que assim que entrei aqui, Gabriel quase acertou algo de vidro em mim.
— O que foi?
— Nada.
Ele tirou o desenho e se sentou em cima da escrivaninha, na minha frente.
— Sem essa de "nada". Pode começar. — ele falou. — Anda. Fala.
Seus machucados estavam bem melhores hoje, mesmo que ainda um pouco inchados. Era uma sorte ele não precisar dar ponto, tendo em vista a profundidade. Já estava começando a cicatrizar, mas haveriam marcas ali para sempre.
Suspirei.
Por onde eu ia começar falando? O que eu ia falar? Eu não sabia o quanto ele se lembrava, sequer se lembrava de alguma coisa que fosse. Eu nunca tinha visto Gabriel daquele jeito, com aquela raiva, aquele comportamento. Era totalmente diferente do Gabriel que conheci.
— Eu fiquei com medo de você ontem, Gabriel.
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Os Opostos se Atraem? - Livro 1
Ficção AdolescenteO que faria se você conhecesse um garoto de aparência estonteante, discreto, que se refugia na música, porém, que é completamente o seu oposto, meio mal educado, egoísta e só se importa consigo mesmo? O que faria se você se aproximasse demais desse...