Capítulo 40

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Bianca Trajano.

Somente quando Marcelo para o carro de frente à minha casa é que percebo que, talvez, aceitar sua carona não tenha sido uma das minhas melhores ideias. Primeiro porque a minha casa é gigantesca - e, entendam, eu realmente quero dizer gigantesca, a ponto de qualquer pessoa questionar quantos seres humanos viveriam ali -, o que o leva a abrir a boca e a arregalar um tantinho seus olhos. E, bem, eu não queria parecer filhinha de papai, sabem?

Segundo porque, no mesmo instante, numa grandiosa e ridícula ironia do universo, o portão automático que levava à garagem subterrânea se abriu. Rapidamente, comecei a torcer e a clamar a Deus ou qualquer força sobrenatural que, céus, não fosse o meu pai. Podia ser o Murilo, minha mãe ou alguém do jornal. Algum parente. Ok, parente não, porque não tínhamos parentes - pelo menos, nenhum do tipo que fosse muito com a fuça do meu problemático pai. Marcelo puxa o freio de mão em silêncio e, junto a mim, observa o portão deslizar. Dolorosos segundos depois, a ponta do Corolla aparece.

Merda.

Seria muito ridículo pedir para o Marcelo arrancar com o carro dali? Ou talvez eu consiga fingir que perdi um brinco (droga, eu estava sem brinco), um anel (certo, não havia colocado anéis também) ou qualquer coisa assim no chão do carro e, magicamente, desaparecer das vistas do meu pai. Certo, eu podia fazer isso, não? Simplesmente mergulhar entre as minhas próprias pernas ou pés e ficar um tempinho abaixada, ali, em paz, esperando o meu amável pai sumir pela rua.

─ Por que está com essa cara? ─ Marcelo pergunta em tom divertido, desviando os olhos descontraídos para mim.

Percebo que, embora seu tom fosse natural, seus ombros tinham de repente se tornado um pouquinho tensos. Ou talvez fosse apenas a nobre impressão de alguém que estava muito, muito tensa.

─ Ahn, meu pai. Eu pensei que ele estaria no jornal à essa hora. Droga.

─ Ele não pode me ver aqui?

─ Não, não é isso, é que... ─ penso em argumentar, mas, bem, talvez eu precisasse ser sincera. ─ Ele não é muito flexível e, honestamente, eu não sei como ele pode agir.

─ Ora, vamos, Bi ─ ele sorri. Lindinho. Aff.

Antes que eu possa me conter, estou colocando para fora os meus pensamentos:

─ Eu poderia me esconder, né? Me enfiar aqui, no meio das minhas pernas ou das suas, mas, hm, acho que não pegaria nada bem se ele me flagrasse.

Marcelo ri, inclinando a cabeça para trás, e depois a aponta para frente:

─ Ele já nos viu, olha lá. Acene e sorria, loirinha ─ ele diz, crispando os lábios.

Virando o pescoço lentamente na direção do portão a alguns metros de onde estávamos, vejo que o carro já está na rua e meu pai o manobrava lentamente para deixá-lo na mão correta. Seus olhos azuis duvidosos e em alerta encontram os meus, ali, dentro daquele carro desconhecido com um motorista desconhecido.

Eu poderia desejar que ele ache que é um colega da faculdade. Da academia. Da mercearia. Do cacete a quatro, que seja.

Ou, talvez, eu poderia ser madura e dizer...

─ Ei, pai ─ aceno.

Ele acena de volta, aproximando-se com o carro, e o deixa paralelo ao carro de Marcelo. Janela-com-janela.

─ Oi, princesa ─ responde de volta. ─ E veja se não é o policial que salvou a sua vida, hein?

Meu pai costumava ser um cara bem sádico, se querem saber. Ele raramente perguntava algo a alguém sem saber a resposta e, desde criança, eu havia aprendido que mentir para ele não era uma boa ideia. Exceto com o lance da pintura e a aversão por jornalismo (embora, é claro, ele soubesse, mas preferisse se fingir de cego).

Amor em Risco (COMPLETO)Onde histórias criam vida. Descubra agora