Capítulo 30

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Bianca Trajano.

Depois de arrumarmos o apartamento e abrirmos as janelas para ventilar, Marcelo sumiu por um instante, deixando Bartô e eu na sala de chão recém esfregado. Enquanto ele, que tinha uma tala pequena e branca na pata traseira ─ Marcelo me explicou que, ao atropelá-lo, havia fraturado a pata do bicho ─, rolava de barriga para cima e implorava por carinho, olho para a varanda do apartamento, agora com a porta de vidro um tantinho aberta. 

Parecia fazer um milhão de anos que eu estive ali sentada na balaustrada de granito, dando ao Marcelo um olhar preocupado por alguns instantes. Tinha contado a ele coisas que provavelmente não teria dito a outra pessoa e, de repente, me lembrei do quanto aquela afinidade tinha parecido... Surreal, assim, de início. 

Dou uma palmadinha carinhosa na barriga do Bartô e me levanto. Passo pela abertura da porta, me certificando de que Bartô não tinha me seguido, e ergo o queixo para olhar para o céu. Estava manchado de laranja-escuro e, ao longe, escurecia aos pouquinhos porque logo, logo iria anoitecer. O vento também esfriava e fazia meus cabelos esvoaçarem ao redor do pescoço, de modo que estremeço de leve.

Permaneci parada ali de braços cruzados por um tempinho, acredito eu, e só me dei conta da presença do Marcelo atrás de mim quando ele quebrou o silêncio:

─ Você gosta daqui, né?

Viro o pescoço para olhá-lo e o encontro encostado à porta, olhando bem para mim, uma expressão intrigada no rosto. Trazia nas mãos uma coleira verde-escura e Bartô, que abanava o rabo, estava bem aos seus pés, louco para entrar na varanda também.

─ Gosto. Daria um bom quadro ─ falo, voltando a olhar para o mar de prédios à nossa frente, onde, bem distante, o sol se encolhia e sumia lentamente.

Eu daria um bom quadro ─ ele diz, me forçando a rir e a balançar a cabeça. Em seguida o ouço se aproximar, fechando a porta e deixando Bartô para trás, e o vejo parar de costas para a balaustrada e, consequentemente, de frente para mim. 

─ Ahn, digamos que eu... Tenho um estúdio ─ falo em tom de quem não diz nada.

Ele arregala os olhos. 

─ Sério? Você pinta? 

─ É ─ digo, encolhendo os ombros. ─ Aquela coisa que eu disse estar tentando descobrir, sabe? Talvez seja isso.

─ Eu bem desconfiei que você já tinha uma ideia ─ ele diz, dando uma risadinha. ─ E onde fica o seu estúdio? Queria ver algum quadro seu. 

Sem que eu pudesse conter, sinto meu estômago afundar de ansiedade. De costas para o céu, olho para ele e sorrio, sem graça.

─ Te levo lá a qualquer dia desses ─ respondo, num tom que talvez pudesse deixar claro que eu não ficava muito à vontade com esse assunto.

Não sei dizer exatamente o porque. Murilo e Camila diziam que eu agia dessa forma porque era modesta e insegura ─ quase como se eu tivesse vergonha de assumir que pintava porque, bem, não levava jeito para a coisa. Mas eles adoravam os meus quadros e, a meu ver, pareciam verdadeiramente sinceros quando diziam isso. 

Marcelo era a terceira pessoa que sabia e, também, a única que eu não conhecia a tempo o bastante e nem tão bem assim. Contudo, eu havia contado a ele e, agora, havia uma parte de mim que também queria muito levá-lo lá. 

Ignorando o quanto aquilo era estranho para mim, aponto para a coleira na mão dele e ergo a sobrancelha.

─ Vamos levá-lo pra passear?

─ É, sabe, talvez a gente tenha sorte e ele faça o servicinho sujo dele em algum outro canto do prédio. 

Começo a rir.

Amor em Risco (COMPLETO)Onde histórias criam vida. Descubra agora