Capítulo 31 - Compassos

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Dias passaram desde que Orion se mostrou uma aberração quando o Arcanismo era citado. E Lady Skyfer e sua irmão, Lady Yane, não deixaram barato. Um homem com aquela capacidade deveria estar dentro da melhor universidade, ensinando, escrevendo lecionando.

E mesmo que pedissem com grande afinco para Orion, o rapaz negava ajudar. Era a única coisa que não queria fazer, não quando estava estudando sobre os Sumona junto de Carla, secretamente.

A notícia de que um Cavaleiro trabalhando como faxineiro virou uma piada completa. Durante os dias, os diversos Magos e até mesmo Cavaleiros chegavam pelo boato e se surpreendiam quando avistavam o homem no balcão, limpando ou lendo, esperando pelos clientes.

E nada demais era visto. Usava uma roupa escura, com armas e um livro, como se o que fizesse fosse tão simples que sequer precisasse de aprovação. Mas, precisava.

Rosana adentrara a livraria com passos largos e um olhar perfurante, deu de cara com o comerciante baixo e gordo olhando para Orion que apontava para uma das prateleiras, e pegou metade do assunto.

-... vá limpar isso tudo, então, eu fiz o trabalho e tirei para limpar, decorei a ordem e coloquei no lugar. Tudo está no lugar.

- Não precisava se preocupar com isso, mesmo que as ordens sejam alteradas, elas são de sagas diferentes. - E com certo incômodo, coçou a cabeça. - Parece que você realmente tem uma memória fotográfica.

- Não menti para o senhor quanto a isso. - Ao voltar para o balcão, deu de cara com Rosana, e suspendeu o sorriso rapidamente. - Senhora Rosana.

- Eu ouvi e não acreditei, sendo sincera. - Seu olhar varreu a parte de fora, o hall. - Está trabalhando como um comerciante só pra conseguir dinheiro?

- Não preciso do dinheiro, estou fazendo pelos livros – disse batendo com o dedo no vidro da estante, abaixo do braço debruçado. - Sou um leitor assíduo.

- Seu dever é como Cavaleiro, nas linhas de frente, junto das tropas restantes. Não – ela apontou pensando mais um pouco – atrás de um balcão qualquer. - Ao olhar para o homem surpreso baixo e ao lado de Orion, ela fez uma menção com a cabeça – sem ofender, senhor Robert.

Balançando os braços de um lado para o outro, um pouco envergonhado, Robert negou.

- Claro que não. Irei me retirar para conversarem em privacidade, mas Orion, não se esqueça de que Yane virá ainda hoje.

Carla, assistindo tudo, bufou.

- Estão apenas usando você para aprender Arcanismo.

- Eu sei, obrigado – e sua resposta foi perfeita para ambas sentenças. - E senhora, eu estou livre das minhas obrigações, sua preocupação é empolgante.

- E quem deu essa ordem? - Rosana quase pareceu rosnar com vontade de triturar a cara de Orion pelo tom sarcástico que usava com ela.

- Comandante Vladmir. - Ele puxou uma carta de dentro de seu bolso e entregou nas mãos dela. - Eu estou suspenso temporariamente para estudos lucrativos afim de achar certas pistas dos Servos da Luz.

Rosana não demorou para ler e a deixou correr pelo balcão de vidro com um bufar insatisfeito.

- E quanto tempo ele lhe deu?

- Indeterminado, senhora – Orion sorriu, a fúria implacável nos olhos de Rosana eram belos, mais belos do que o costume. - A senhora tem Kaio, e ambos possuem um medo constante da minha presença, logo, achei que seria o melhor para nós dois.

- Você...

Ela abriu a boca quase se perdendo. Seu balançar de cabeça foi uma visão engraçada para Orion, era como estar vendo uma negação no meio de uma afirmação, e ela queria estar certa da sua vinda, mas se perdia.

Rosana fechou a boca batendo seu dente um no outro e se virou, partindo. Ao atravessar a porta da livraria, olhou para trás, e Orion não pôde deixar de notar o pesar que carregava naqueles olhos. De um segundo para outro, a raiva foi transformada em tristeza.

Ela se foi, transformando a certeza do Cavaleiro em uma questão atordoante.

***

- Eles estão sondando sua capacidade mais do que antes – Carla não deixara os comentários de fora. Estava muito mais claro que as perguntas frequentes de Skyfer e Yane eram muito mais sofisticadas do que conheciam sobre o Arcanismo. - Estão querendo saber o quanto você consegue ir. Como predadores que esperavam para ver quanto sua presa corre.

- Estão apenas querendo saber o quanto minha paciência é grande, isso sim. Cada vez que elas vem, tenho que pausar a leitura por mais de 30 minutos. Alias, espero que esteja gostando dos livros que peguei já que é quase obrigada ler o mesmo que eu.

- Não são ruins ao todo, mas quando fico entendiada, eu apenas paro de prestar atenção. Livros didáticos, como esses de História Arcana, são muito mais explicações do que histórias reais. É mais chato do que quase todos os outros juntos.

- Isso se você não estiver procurando algo e... - Orion deu um tapinha na página do livro -... achei. Se você for insistente, até o ferro se dobra a sua vontade.

- Poderia fazer isso com uma magia simples de controle – e cruzou os braços, em cima da égua, chegando cada vez mais perto de uma troca de biomas, alterando da grama verde para uma solo arenoso.

Ela encarou o céu mexendo os calcanhares doloridos por estarem tempo demais suspensos

- Vai chover.

- Deve. O Norte é um chamariz para chuvas, mas quando chegar na muralha dos Anões, depois do oceano, vai estar coberta de neve. É bem frio.

- E como sabe? - retrucou, voltando sua atenção para o livro. - É o cajado?

- Sei porque li em um livro chamado 'Clima Exoico', e sim, é o cajado. Pensei que fosse um Cajado Artrixo, e consegui surpreender o velho, na hora, mas não é. Diz que é um Cajado Rotar, feito para armazenar uma quantidade de mana gigantesca, como se fosse um recipiente.

- Então, você poderia colocar mana dentro dele quando estivesse foda de batalha e usá-la em um combate para poupar energia? Isso sim é algo interessante de ver.

O surpreendente agitava até mesmo Orion por estar com uma peça de Sumona tão formidável. Mesmo que quase todos os objetos foram destruídos, os que sobraram foram espalhados nas mãos de homens e mulheres de grande importância do Clero, como uma forma de simbolizar a vitória contra os Homens dos Números.

Estar na mão de um velho qualquer era de extrema suspeita, se não fosse algo totalmente insensato. Era como ter dado algo na mão de alguém e simplesmente tê-lo deixado ir, sem sequer correr atrás.

Orion sequer pensou muito, mas ao coçar a cabeça e respirar um pouco, essas informações foram se juntando, como uma quebra-cabeça, até que a última pergunta se formou:

A Igreja e o Clero eram tão desprotegidos assim?

Olhando para o cajado e vendo uma pequena pérola em sua ponta, uma que estava com um brilho inexistente desde o começo, oscilou. Orion a segurou e olhou bem perto, dando uma leve analisada no seu interior, um toque fosco, mas com uma outra dentro, uma menor, completamente avermelhada.

E ao notar, engoliu o seco.

- Ah, merda. É um Winges.

Ele pegou o Cajado, se levantou da cadeira rapidamente, a derrubando, e saiu em disparada. Passou como uma flecha por Skyfer e Robert que cochichavam certas bobeiras no ouvido do outro, entre um canto mais escuro.

Deixou a loja e correu feito um louco na direção da base dos Cavaleiros. Não poderia chegar tarde, não mais tarde do que já estava.

Se o que achava estava correto, então o velho e todos os que estavam na floresta naquela noite não eram simples bandidos, não atacavam por prazer, não faziam movimentos avulsos na floresta.

Como não vira antes? Por que o cristal não tinha sido analisado antes?

Era um objetivo. Eram os Servos da Luz agindo.

E mesmo que Orion desvendasse o mistério dias atrás, ainda chegaria atrasado demais, atrasado para o pior evento de sua vida.

Passos Arcanos: Caminho da HonraOnde histórias criam vida. Descubra agora