Capítulo 4

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                 Ainda estava de madrugada, então a rua estava deserta. Tentei andar o mais rápido possível com medo de que os policiais me levassem com eles. Minha sorte foi que logo na rua de cima encontrei um táxi. Não tinha muito dinheiro, então só pedi para que me deixasse do outro lado da cidade.

                  O céu já estava começando a clarear quando encontrei uma lanchonete. Minha última refeição foi o almoço na escola, então estava faminta depois de quase dois dias sem comer. O lugar estava vazio e a mulher que estava atrás do balcão pareceu surpresa por receber algum cliente assim tão cedo.

— Bom dia! - disse me aproximando dela, que apesar de me responder com um sorriso doce parecia estar assustada.

                  O cheiro de pão recém assado fez meu estômago rugir tão alto que achei que ela tinha escutado. Aquela quantidade de salgados e bolos expostos também fizeram minha boca salivar na hora, mas minha quantidade de dinheiro não condizia com a minha fome. Pedi um pão na chapa e uma garrafa de água. Devia economizar já que não sabia até quando esse dinheiro duraria.

— Você está bem? - a mulher continuava com seus olhos arregalados e eu continuava sem entender, mas assenti. - Tem certeza? Se você quiser posso te acompanhar até o hospital, ele fica logo na esquina.

                   Olhe para baixo entendendo porque ela parecia tão apavorada desde que cheguei. Tinha conseguido estancar o sangue por um tempo, mas agora ele tinha voltado a se espalhar manchando também a outra blusa que tinha colocado por cima.

— Não precisa, obrigada. Foi só um arranhão. Não está tão feio quanto parece. - tentei parecer segura apesar de que nem tive a coragem de ver como estava de verdade.

— Tenho um kit de primeiros socorros no escritório. - informou sumindo pela porta antes que eu pudesse falar alguma coisa.

                     Depois que ela me entregou o kit, agradeci indo até ao banheiro. Senti a dor ficando cada vez mais aguda, como se cada veia da minha barriga pulsasse fogo. Impressionante como os machucados sempre doem mais quando você pensa nesses. A primeira blusa tirei com facilidade, mas a segunda parecia estar grudada no corte que estava mais profundo do que imaginava. Fiz o melhor para limpar e colocar o curativo, mas tive que fazer meio rápido já que minha visão estava ficando embaçada pela minha pressão que devia estar baixíssima. Estava completamente sem forças depois de perder tanto sangue e ainda mais de estômago vazio por tanto tempo.

                    Voltei para o balcão me sentando em uma das cadeiras altas. Ela me serviu o pão e tive que usar todas minhas forças para não devorar aquilo como um animal. Ainda era a única cliente ali, mas agora ela tinha ligado o rádio que pelo menos preenchia o vazio.

— Bom dia, América! Essa é a 90.3 e você está ouvindo o especial top 10 para começar o dia com o pé direito. Agora a tão esperada, a primeira posição fica com... Kyle Collins! Você curte agora seu grande hit "Don't leave me".

                     Finalmente algo que me passasse segurança. Aquela voz entrava pelos meus ouvidos e caminhava por todo meu corpo me fazendo sentir leve.

— Você precisa de mais alguma coisa? - a mulher perguntou assim que terminei de comer. 

— Não, já estou indo. Muito obrigada. - sorri.

— Não queria me intrometer, mas para onde você vai?

                         Boa pergunta, para onde vou?

— Eu...

— Essa foi a sensação Kyle Collins, curtiram? - a voz do radialista soou mais alta. - Ele está bombando! Não se esqueçam: essa semana ele fará o show especial de verão na praia.

— Vou para a capital. - respondi. - No show do Kyle Collins.

                     Nunca tinha visitado cidades grandes. Sempre morei em cidades do interior, daquelas que todos se conheciam. Até parecia uma boa ideia. Pela primeira vez ia ser invisível.

— Precisa de uma mochila dessa só para um show? - perguntou desconfiada.

— É que... vou aproveitar para visitar uma amiga. - tentei disfarçar, mas acho que não adiantou.

— Bom, então você tem um longo caminho até lá. Separei isso para você. - ela pegou uma sacola que estava atrás do balcão. - Aí tem um sanduíche, um pedaço de bolo, suco e água. Acho que é o suficiente para sua viagem.

— Obrigada. - fui pegar o dinheiro na minha mochila, mas ela me interrompeu.

— É por conta da casa. -avisou mas continuei hesitante. - Só pelo seu olhar sei que é uma boa garota, mas está passando por um mal momento. Espero que encontre seu caminho. - encorajou com um sorriso enorme no rosto.

                      Tentei entregar o dinheiro mais uma vez mas ela não o aceitou, apenas me entregou a sacola e me acompanhou até a saída.

— Muito obrigada! - abracei-a.

                         Sei que era só uma estranha, mas ela me tratou tão bem e me fez sentir protegida. Ela correspondeu meu abraço, mas com cuidado para não me apertar. A última vez que minha mãe me abraçou eu tinha uns 10 anos, então precisava daquilo.

— Não sei pelo o que você está passando, mas às vezes antes de sermos felizes precisamos conhecer a dor. A vida não passa de um lindo jardim de rosas, que apesar da beleza possui seus espinhos. Aprecie cada pétala, mas respeite os limites que os espinhos lhe dão. Sinta cada aroma, mas aprenda com os arranhões. E antes de tudo, você deve aprender quem você é para saber o que você quer e por onde deve ir. Você é a única responsável por fazer sua visita pelo jardim valer a pena.

                 Não sabia nem o que responder. Senti o nó que voltou a se formar na minha garganta, mas já tinha acabado com as minhas lágrimas. Apenas sorri e a abracei mais uma vez antes de sair. Se pudesse ficaria ali para sempre. Por que não tive uma mãe como ela?

                  Depois de uma viagem de mais de seis horas finalmente cheguei no meu destino. Boa palavra essa, "destino". Será que esse era meu destino? Aqui que minha vida realmente começaria? Estar em um lugar diferente me dava uma esperança, mas ainda tinha um pouco de receio. Minha vida de antes era ruim, mas pelo menos era previsível. Agora tudo seria novo. Não conhecia ninguém, que por um lado era bom, já não sabem da minha história, mas vou estar nesse mundo novo sozinha. Não tenho nem ideia de onde irei. Não tenho dinheiro e nem idade suficiente para morar sozinha.

A única estrela no meu céu [CONCLUÍDA]Onde histórias criam vida. Descubra agora