Capítulo 57

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                     Desde que eu voltei todos foram mais acolhedores do que eu merecia. Na verdade me senti mal por receber essa atenção toda. Eu praticamente deixei todos para trás e mesmo assim eles me aceitaram de volta. No começo foi meio difícil de me abrir, mas depois de um tempo eu tive coragem de contar o que aconteceu. Ainda mais depois que comecei a fazer terapia pude ver que seria impossível eu superar isso sozinha e que na verdade eu não precisava. Eu nunca poderia curar essa ferida se continuasse tentando ignora-la. Então achei melhor parar de esconder meus demônios, para então ter força de encara-los de frente.

                     Lembro de não contar para ninguém e nem procurar ajuda porque eu tinha vergonha. De certa forma eu pensava que o que tinha acontecido era culpa minha. Minha única solução foi tentar fingir que aquilo não tinha acontecido até que eu pudesse convencer a mim mesma disso. Minha mente numa forma de tentar me proteger, bloqueava as memórias daquela noite. Tudo o que eu lembrava eram borrões, que até hoje me atormentam nos meus pesadelos.

                     Apesar de muita coisa tem sido apagada da minha memória, as sensações eu conseguia lembrar perfeitamente. Quando fecho meus olhos eu consigo sentir os toques grotescos, o cheiro de álcool dos outros garotos e consigo ouvir as vozes, inclusive a minha voz interna que gritava por ajuda. Consigo sentir tudo como se tivesse acontecendo agora mesmo. Ainda era impossível lembrar sem me arrepiar ou sem derramar todas as lágrimas de novo. Isso ainda me perseguia todos os dias, mas agora eu vejo que minha vida é muito mais do que isso. Vejo que eu tenho que continuar apesar de tudo e correr atrás de como eu quero que minha vida seja.

— Tem certeza que você está bem para ir amanhã? Você só precisa voltar para o trabalho oficialmente na semana que vem.

                      Andrew passou em casa mais uma vez já que ele estava me ajudando com a recuperação da minha perna. Desde que voltei ficamos cada vez mais próximos. Ele veio aqui todos os dias depois da faculdade para me ajudar nos movimentos da fisioterapia. Apesar de eu já ter dito que não era necessário, ele insistiu em ajudar e como ele gosta desse tipo de coisa não vi problema. Às vezes é meio estranho quando a Lauren está em casa, mas como ele também é bem próximo das meninas seria impossível eles não se encontrarem.

— Tenho. Já estou sendo um problema para eles desde que quebrei a perna, agora que tirei o gesso tenho que voltar ao trabalho.

— Sem o gesso você pode tirar fotos, mas não quer dizer que já pode voltar ao trabalho completamente. Sua fratura foi feia, você sabe o quanto demoramos só para você conseguir dar alguns passos.

— Mas agora estou bem melhor. Olha, até consigo subir a escada sem problemas.

— Alicia, não! - ele rapidamente se colocou ao meu lado, segurando minha cintura para dar-me apoio.

— Não tem problema, já fiz várias vezes.

— O que?! Eu falei para você não fazer isso sozinha, sempre tem alguma das meninas aqui para te ajudar.

— Não vou incomodar elas cada vez que querer me mover. - expliquei, mas ele só negou com a cabeça. - É sério, eu consigo. - ele pareceu hesitar mas me soltou, apesar de continuar com os braços preparados para me segurar se eu caísse.

                      Minha perna estava pronta para aguentar amanhã, o que não estava era o meu coração já que teria que ir com o Kyle. Eu não tive mais contato com ele, então estava mais do que ansiosa por isso, apesar de ter evitado ao máximo pensar nele. Eu não tive muitas notícias dele, mas pelo o que vi ele também sumiu da mídia. Ele passou essas últimas semanas só em estúdios ou ensaiando para apresentação de amanhã.        

— Quem inventou o salto alto não sabia nada de anatomia, não é possível! - Andrew exclamou perplexo quando mostrei o salto que teria que usar na premiação de amanhã. - Você tem mesmo que usá-los? Se já achava que você estava andando mais do que devia imagine com um negócio desse. Não quero que você se machuque mais.

— A Amanda me mataria se eu não usasse. Esse deve ser um dos maiores eventos que já fui. Não posso nem ousar pensar em não estar "impecável". - fiz aspas com os dedos.

— Você não precisa disso tudo para ficar impecável. Você fica perfeita até assim de moletom e sem maquiagem. - sua voz soou suave enquanto ele manteve seus olhos acizentados nos meus. Não consegui manter o contato visual com ele, então desviei o olhar.

— Obrigada. - sorri sem graça e continuei mexendo no controle da TV como se fosse o objeto mais complicado do mundo.

                       Coloquei a série que assistíamos juntos e em pouco tempo voltamos para o clima descontraído que sempre tinha quando ele estava aqui. Ele se tornou uma pessoa muito importante para mim. Ele me apoiou de todas as formas e sempre esteve ao meu lado quando eu precisei. Ele é tão gentil e atencioso. Não posso mentir e dizer que ele não mexe um pouco comigo. Eu sinto algo especial por ele, mas a Lauren é minha amiga e eu nunca faria isso, mesmo que eles já não tenham nada. Além de que apesar de tudo, meu coração nunca se esqueceu do Kyle e provavelmente nunca se esquecerá.

[...]

— Tia Lice! - um vozinha me chamou. Quando me virei vi Ellie correndo na minha direção e depois agarrou minha perna.

— Ellie! - Masson veio logo em seguida. - O tio Kyle falou para tomar cuidado, ela está machucada.

Dicupa. - ela falou baixinho.

— Está tudo bem, princesa! - peguei-a no colo. - Eu senti falta de vocês! - com a mão livre puxei o Masson para mais perto de mim e ele me abraçou de volta.

— Alicia? - meu corpo se petrificou inteiro ao ouvir essa voz de novo, mas quando me virei minhas pernas ficaram bambas. Kyle estava tão próximo de mim que podia sentir seu maravilhoso cheiro que tanto me entorpecia. Ele estava tão lindo naquela roupa formal. Acho que tinha me esquecido como era estar perto dele. Não consegui dizer uma palavra sequer, como se estivéssemos nos conhecendo pela primeira vez de novo. - Ellie, eu não pedi para você sossegar um pouco? - ele cortou a mínima distância que tínhamos para pega-la do meu colo e só os pouco segundos que sua pele encostou na minha foram suficientes para me arrepiar.

— Não tem problema, eu que a peguei no colo. - comentei provavelmente um pouco tarde demais.

— Você está bem? - seu olhar parecia sério demais para quem estava só perguntando da minha perna, mas eu apenas assenti com a cabeça. Seu olhar subiu do meu pé passando lentamente por todo o meu corpo. - Aliás, você está incrível! - mostrou seu sorriso perfeito que tanto mexia comigo.

— Obrigada! - não conseguia não sorrir quando ele sorria para mim. Seus olhos fitavam os meus profundamente, até que ele desceu o olhar até minha boca, passando a língua preguiçosamente em seus lábios, o que fez um frio tomar conta da minha barriga. Minhas bochechas já estavam queimando e ele continuava em silêncio me olhando

— Alicia, eu... - ele abriu a boca, mas não saiu mais nada.

— Kyle! Alicia! Vocês precisam ir. - Amanda veio nos mostrando o caminho do tapete vermelho.

                       Logo estávamos na frente daqueles incontáveis fotógrafos. Se eu já achava difícil não piscar com um flash imagina com vários e de todas as direções. Eu já nem sabia para onde olhar mais. Estava completamente perdida, até sentir uma mão na minha cintura. Kyle se posicionou ao meu lado, dando-me um sorriso reconfortante e eu sorri de volta. Ele me puxou para mais perto encostando nossos corpos e apesar de tudo, nada me fazia sentir mais segura do que estar em seus braços. Senti falta do seu toque. Senti falta dele.

A única estrela no meu céu [CONCLUÍDA]Onde histórias criam vida. Descubra agora