Caroline

428 66 16
                                    

Mas todo mundo deveria ter um amor verdadeiro, que deveria durar pelo menos até o fim da vida da pessoa.

Entro no apartamento de Caroline e olho ao meu redor encontrando tudo arrumado, só tinha o meu coração de bagunçado por ali. Deixo um suspiro escapar assim que fecho a porta a trancando em seguida. Em uma semana, tanta coisa havia acontecido que nem parecia realidade. Eu estava partindo para fazer a turnê, passaria de em cidade, e com sorte, não pararia por um bom tempo. Iria começara turnê na américa que depois se estenderia pela Europa. Em quatro semanas eu estaria seguindo com a minha vida e esquecendo de Caroline, era tudo que eu esperava e pedia ao universo.

Deixo minhas mochilas no canto da sala e coloco minha carta na mesinha de centro com uma flor branca junto. Não consegui conter as lágrimas que passaram a correr pelos meus olhos, afinal, era a dor de uma paixão, e com essa decisão do meu coração, toda a vida tranquila que eu tinha planejado com ela, foi pelo ralo a baixo. Eu sairia da minha rotina preferida com ela para seguir meu sonho e abandonar quem eu amo. - Está tudo bem, estou fazendo a coisa certa! - Eu resmunguei olhando para as minhas coisas no canto da sala. Me permito chorar até não me lembrar o motivo das lágrimas. Por um momento eu deixo meu peito ficar vazio e preparado para o que a vida nova estivesse disposta em me dar.

Querida Caroline,

Eu não tenho muito tempo, não digo literalmente, é que você saiu e eu aproveitei para pegar as minhas coisas e deixar o resto da nossa felicidade por aqui. Eu tenho a leve impressão de que é a última carta porque só resta poucas coisas para serem ditas, não é para se lembrar sempre de mim ou comprar um abajur, você pode se cuidar sem a minha ajuda, antes de eu aparecer você estava deslumbrante como sempre. Eu estou aqui só para dizer como você mexeu comigo, como me ajudou me amando, você fez de mim uma mulher, ruiva, e por isso eu sou eternamente grata, literalmente. Se pode me prometer alguma coisa, prometa que sempre que se sentir triste ou insegura ou perder completamente a fé vai tentar olhar para si mesma com meus olhos. Obrigado pela honra de ter você como namorada, eu não tenho o que lamentar, tive muita sorte. Você foi a minha vida Carol, mas eu sou apenas um capítulo da sua. Ainda poderemos escrever mais capítulos, mas não posso lhe afirmar sobre isso agora. Portanto aqui vai o meu grande conselho: não tenha medo de se apaixonar de novo, fique atenta àquele sinal de que não haverá mais nada igual.

E sim Caroline, você tem razão ao pensar  que eu também tenho vontade de mandar tudo às favas? Pensa que não me invade esse sentimento de frustração, essa amargura oca, essa acidez na boca da alma? Sim, tem hora que me canso de bancar a Sísmica, de ficar carregando ladeira acima essa pesada pedra de uma esperança esburacada. Tem hora que me sinto Prometeu acorrentado, mas sem revolta, agradecido por ter as mãos atadas. E a única coisa que me passa pela cabeça é embriagar-me de alienação e ficar na varanda do apartamento, contemplando silenciosamente a cidade lá embaixo. Sim, eu sei, é muito frustrante semear esperanças. São grãos miúdos, delicados, quase invisíveis, ora plantados no caminho acidentado, ora num coração angustiado, sempre no terreno árido da pobreza insolente. E depois vem o árduo trabalho de regar todos os dias, ver emergir o primeiro broto, um fiasco de verde aflorando sobre a terra negra, e a gente é tomado por esse sentimento de querer amar e começa então a acreditar que a primavera existe.

Mesmo que você não leia, eu vou escrever assim como tenho feito durante essas longas semanas. Mas hoje, diferente de tudo, vim dizer que finalmente me senti em paz com tudo o que pude sentir por você. Agora, as lágrimas não param de escorrer por meu rosto mas eu estou sorrindo. Eu aceitei que você fosse e meu Deus, como eu desejo que você possa ser feliz e que alguém te ame exatamente como é. E cá entre nós? Não será nada difícil. Você merece isso, e muito mais. Você merece, mas eu também. Eu, como qualquer outra pessoa, tenho direito de ser feliz e por mais que eu te ame demais, meu bem, eu te deixo ir, deixo porque a gente não foi capaz de ocupar o espaço vago que existia em nossos corações. Eu preciso permitir que coisas lindas ainda floresçam, preciso sentir muito mais pelo mundo antes de amar um outro alguém, ter uma imensidão que jamais senti. Preciso porque você não é nada além do meu amor inalcançável que me recusei a ter antes e, mesmo que você seja tudo que eu sempre quis, a gente tem que aprender a abrir mão do que queremos para que venha o que a gente de fato merece. Mas, eu admito, nunca quis pouco mas nunca acreditei que merecesse um amor suficientemente bom pra mim. E foi com você que eu aprendi meu valor, que não importa quem a gente ame no mundo, o amor por nós mesmos deverá ser sempre maior. Um dia a gente vai encontrar alguém que nos queira tão bem tanto quanto as queremos também. Ainda vamos querer sentir o peito acelerar e as borboletas no estômago voarem afoitas quando marcamos de sair nas primeiras vezes com àquela pessoa. A gente ainda vai querer viver um amor que se sinta pronto para nos amar porque até eu que achei que nunca estaria, estou pronta também.

Eu sei que você esta sentindo os seus pés afundarem no chão justamente no momento em que  precisava correr. Eu também perdi o sentido da audição e o foco escrevendo essa carta. Sim, as paredes ao meu redor parecem estar se  fechando devagar, apenas para a minha tortura. Caroline, eu procurei por teus olhos, aqueles que me serviram de mapa durante meses nessa minha árdua caminhada. Procurei pelo conforto e carinho que teu olhar sobre mim carregava, como quem dizia "estou aqui, não precisa levar o fardo sozinha." procurei por teu sorriso de canto de boca, aquele que você sempre me dava quando eu sobrevivia a mais um dia. Alívio. E quando o encontrei, não os reconheci, porque o que outrora refletia amor, foi revestido por raiva e arrependimento. A gente parecia tão dispostas, entende? tão certa de que não se importava com minhas incertezas e inconstâncias, por um momento achei que pudesse dar certo, que ao invés de arrastá-la para o meu caos, eu pudesse segui-la até seu nascer do sol.

Quando eu te vi a ultima vez havia dor em seus olhos, repulsa, as minhas cicatrizes expostas - aquelas que você me convenceu de que eu não devia ter vergonha em mostrar, já não eram agradáveis aos seus olhos. Já não tinham mais os mesmos significados, passaram a ser só símbolos daquilo que você não queria se tornar e, por ironia, transformou-se. Porque eu sei que apesar das maiorias das noites serem de tempestades, e do meu psicológico ficar cada vez mais instável, uma parte em você ainda acreditava que eu pudesse ser consertada. Uma parte em você acreditou ser a cura para a doença que me tornei, e eu entendo toda essa rejeição com que você me olhou, porque parte minha também acreditou que você fosse o remédio para minhas feridas. Parte minha quis que você pudesse me salvar e eu sinto muito, porque eu nunca pensei que meu estado caótico pudesse ser contagioso. Eu não pensei que meu vício em atitudes destrutivas pudesse influenciar uma alma tão resistente e resiliente quanto a que você tem. Confesso, no primeiro instante não quis crer em apenas um olhar, então forcei-me a caminhar em sua direção e a cada passo que eu dava para a frente, você dava dois para trás e se esvaía facilmente, como areia entre meus dedos. Mas você não se importava com a possibilidade de acabarmos nos fundindo, lembra? parecia gostar da corda bamba que era se relacionar comigo, parecia se intrigar com meus transtornos e gostar da adrenalina de os fazer acalmar. Parecia que o fato de eu ser desafiadora era suficiente para fazê-la ficar. Então, quando finalmente lhe alcancei e encontrei teus braços, estavam cansados de tentar me recolher e juntar para caber em ti.

E por não conseguir caber em ti eu novamente peço desculpas por eu não ser boa em permanecer, você sabe. Doeu porque eu sempre fui feita de vidro, mas fui tola ao pensar que dessa vez não me quebraria. Doeu porque eu já havia aceitado o meu fim, e o fato de que não deixaria ninguém sentir a dor dos meus próprios machucados. E parecia que as paredes estavam cada vez mais próximas de se fecharem, mas foi minha garganta que o fez quando tentei engolir o grito agonizante por ter visto você me mandando ir embora. O chão duro e sujo pareceu ser o lugar certo para mim, lugar do qual eu nunca deveria ter saído. Mas saí, é que você não havia simplesmente me estendido a mão, ao invés disso me pegou no colo, me fazendo a promessa de sempre me carregar quando eu não tivesse forças para caminhar sozinha, você estava tão pronta para mover o impossível para me enxergar além do que eu mostrava, lembra? Não pareceu se importar com o peso de minhas bagagens físicas, emocionais e psíquicas, não, não estou tentando culpá-la.

Eu só... me sinto responsável, porque eu sabia que algumas partes minhas não eram seguras para nadar, e mesmo assim deixei você mergulhar. Eu juro, nunca foi minha intenção lhe atingir e fazer afogar. mas se te serve de consolo, quando você voltou à tona e decidiu partir reconhecendo que prefere a calmaria de um lago a imprecisão do meu oceano, fui eu quem perdeu o fôlego. Sufocando com palavras nunca proferidas e com a falta delas. Eu sinto muito, de verdade.

Eu sinto muito e te peço muito para não se esquecer, em parte, eu vou sempre amar você. E mesmo sabendo que não sei lidar com despedidas, achei que em uma delas aprenderia, mas eu sempre me distrai com a sua enquanto acreditei que não precisaria dizer adeus. Não pra você, e cá estou eu, no fim da minha carta de despedida.

Tchau Caroline, tenha uma feliz vida, que um dia talvez a gente possa se encontrar.

Ironia do Destino Onde histórias criam vida. Descubra agora