Teimosia

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O sentimento de estar descarregada me invadia de uma forma estranha e familiar, como quando o celular cai para 5% e os alertas começam a incomodar. E, teimosos que somos, ignoramos. Descendo de 4% para 3%, 2%, até que inevitavelmente chegamos ao 0% e o aparelho se apaga. E então, finalmente, o colocamos para carregar.

Nós fazemos isso com o corpo, com a alma. Nos desgastamos com amores falsos, términos, amizades tóxicas, problemas familiares, permitindo que nossa energia se esgote. Há um momento em que o corpo manda um aviso — um pensamento vago, "Isso não está certo, estou me prejudicando" — mas ignoramos, auto sabotando, impedindo a recarga que tanto precisamos. E lá estava eu, em pé na porta de Caroline, carregando uma garrafa barata e um peso ainda maior nos ombros.

— Dayane? — Caroline abriu a porta e me olhou surpresa. — O que você está fazendo aqui a essa hora? Eu estava saindo para o trabalho. — Ela olhou para a garrafa em minha mão e arqueou uma sobrancelha.

— Estou aqui pra tirar satisfações, ruiva — falei o mais séria possível, a bebida dando um empurrãozinho na minha coragem. — Você é muito mais falsa do que imaginei.

— Acho que você já bebeu demais — ela disse, pegando a garrafa da minha mão com um movimento rápido, o que só aumentou minha raiva.

— Não estou bêbada! — Tentei pegar a garrafa de volta, mas meus reflexos estavam mais lentos do que o normal. Meus músculos pareciam desligados, como um celular com a bateria quase morta.

— Não vou devolver isso pra você. Sabe que bebida faz mal à saúde? — Ela falou com um sorriso cínico, tentando me dar uma lição. Soltei uma risada amarga.

— Eu te odeio — finalmente deixei escapar, sentindo cada sílaba queimando na garganta. — Você me enganou. Fez tudo por puro interesse!

Caroline me olhava, confusa, como se eu fosse uma cena de novela que ela não tinha entendido.

— Do que você está falando, Dayane?

— Não vem bancar a inocente! Você sabia que a polícia está no apartamento do Victor agora, procurando provas pra me incriminar? Você não pensou em me avisar, né? Fingiu ser minha amiga enquanto me investigava?

Ela suspirou e tentou manter a compostura.

— Não é tão simples assim, Lima. Eu posso explicar.

Ri, uma risada cheia de ironia, sentindo o sabor amargo da decepção.

— Explicar? Agora quer explicar? Você é uma falsa, Caroline. — Apontei o dedo para ela, meu corpo vibrando de raiva.

Ela levantou a voz, firme.

— Meça suas palavras. Os legistas estão analisando algumas provas, mas fique tranquila, não será incriminada. Por enquanto — disse com sarcasmo.

— A polícia vai encontrar o verdadeiro culpado — dei de ombros, tentando parecer desinteressada. — Mas até lá, eu vou limpar a minha barra. Vou fazer o que for preciso pra provar minha inocência.

— Não é problema meu — Caroline deu de ombros, colocando a garrafa de volta na mesa. — Faça o que achar melhor, Lima. Eu não me importo com você.

A mágoa escapou na voz dela, mas eu não ia deixar isso me enfraquecer.

— Você é uma vadia — disse, as palavras saindo de um lugar de dor e decepção. — Você fez isso por interesse próprio. Que você se dane com tudo isso — completei, dando um gole na garrafa, recuperada do móvel.

O olhar frio dela me congelava, e, sinceramente, não fazia diferença.

Eu estava ali, presa no olho do furacão que era Caroline, e tudo que eu sentia era a adrenalina pulsando no peito, a mágoa presa na garganta e a vontade de gritar até que a minha voz não existisse mais. Antes que eu pudesse dizer qualquer coisa, ela se virou para mim com os olhos faiscando, a mão rápida sacando a arma da cintura e me apontando direto. Era quase engraçado, uma ironia amarga, que nossa história terminasse assim – ela, pronta para disparar contra o que ainda restava de nós.

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