Cidade grande

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Cidades grandes me assustam,
vejo pessoas andando sem nem olhar para os lados,
vejo pessoas e suas rotinas corridas,
eu vejo laços que unem duas pessoas se partirem,
eu vejo tudo menos amor.

Dayane de Mima Nunes, euzinha aqui estava as sete da manhã, voltando para a grande cidade de Nova York dentro de um ônibus que estava lotado.
Por sorte eu consegui entrar depois de muito esforço e me enfiar entre uma senhora e um homem enorme. Segurei a minha única mochila com a mão esquerda e usei a direita para me segurar. Não era uma manhã tão quente, mas lá dentro parecia o inferno, aliás, o inferno deve ser menos quente que isso.

Aquelas pessoas estavam com uma cara de desgosto profundo e um mau humor, com toda certeza isso era a única coisa que nos conectava. Tirando o fato de que nosso cotidiano está cheio dessas presepadas. O ônibus é lotado, tão lotado que não tem como mover o pé do lugar, mas ainda ainda sim, o motorista fazia questão de parar em mais alguns pontos para mais pessoas se espremerem rumo a um sofrimento coletivo. Nessa hora, ja era possível escutar reclamações, "porque não cabe mais, motorista". Eu já estava de saco cheio, eu tinha certeza que a senhora na minha frente era a fonte do terrível cheiro de miojo e morango, combinação tenebrosa.

As ideias e vontades morrem em um ônibus lotado. As ideias e vontades, tornam-se aquelas baratas pequenininhas que andam pelo canto das janelas ao lado dos assentos. Minha vontade de sentar ao lado delas era tanta, que uma urgência de pagar cinco dólares por dez minutos sentada me parecia uma boa ideia. Porra, como eu queria fumar um cigarro, ou qualquer coisa que soltasse fumaça. Merda, como queria estar sentada, fumando um cigarro longe do cheiro de miojo. Longe da moça se escorando em mim a cada curva que o ônibus fazia. Pensei em comer um lanche quando chegasse em casa, mas ainda sim me lembro que não tenho uma casa, que não tenho um lugar que posso me aconchegar por cinco minutinhos. Eu mesmo não poderia fazer  um lanche e me sentar para escrever mais uma página de várias músicas que se passavam em minha mente. Partitura e canções paradas há mais de seis meses. Logo me perguntei: por quê não consigo terminar as coisas que me proponho? Dez minutos no ônibus e eu já concluía que eu era uma inútil.

Porque dentro de um  ônibus lotado a gente começa a odiar a si mesmo. Você procura na sua vida os caminhos que te levaram até aquele momento, até este lugar. Por exemplo eu; eu poderia estar em meu próprio carro ou em um uber. O sofrimento seria o mesmo, mas pelo menos eu estaria sentada. A raiva parece roncar com o motor percorrendo ruas e avenidas, até parar em um coração meio cansado e enferrujado. Um cheiro metálico, vindo das valas da mente, meus olhos seguem firmes, parados na janela, procurando um suspiro na paisagem batida.

A criança no colo da mulher do assento preferencial começa a chorar alto, alto o suficiente para atravessar minha música tocando no fone de ouvido que achei por aí. Reviro os olhos, eu a invejo, queria berrar também. Daqui ela parece tão fofinha, uma pena que esteja sentindo esse cheiro estranho, emulsionado com o suor seco de um dia longo de trabalho de várias pessoas. Porque a realidade é essa, as crianças têm a licença poética de berrar em uma situação claramente horrorosa. A gente é transportado feito bicho, mas daí até berrar com todos os pulmões, seria loucura. Acho que essas situações nos faz morrer aos poucos. Imagino que toda a indignação, ideia, criatividade, revolta, empolgação morre um pouco em um ônibus lotado. Essas pequenas situações que nos faz mastigar uma raiva maior que nós mesmos. O cotidiano nos engole, é verdade, mas antes mastiga um pouco, a gente tem sabor de morango, miojo e suor.

Alguém pisa no meu pé. Normalmente isso não seria problema, mas aqui, não dá vontade de assassinar alguém? Imagine, seres humanos não foram feitos para dividir um espaço tão pequeno com o outro. Uma bunda se esfrega com outra, um pé pisa em outro. Depois de meia hora, você apenas reza para que o ônibus capote em alguma avenida.

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