It's Crazy

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Eu gasto
todo o meu tempo
observando.
Pois se eu perder meus preciosos segundos falando,
Não
consigo
observar
o que se passa
ao meu redor
E se isso acontecer ;
Não consigo controlar ninguém!

Nessa baboseira toda sobre minha vida, sobre meu passado, minha história, minha perda, realmente escolhi deixar todos os fantasmas do meu passado para trás, trancados todos juntos dentro de um baú, fingindo ser parte de um tesouro de história de faz de conta. Coloquei tudo o que tinha me sobrado ali, fotos e pertences que sobreviveram ao incêndio, escolhi deixar essa história para trás. Eu não queria vivenciar o luto, não mais.

Eu escolhi pegar o baú e jogar pela janela da torre de um farol que havia na cidade onde eu morava. Eu peguei o meu baú e joguei pela janela, quebrando todos os pequenos pedacinhos de vidro coloridos que formavam desenhos, como em um vitral de igreja. O baú bateu nas rochas que apontavam perigosamente para cima, partindo da base da torre até se despedaçar completamente nas rochas. Assim, depois de cair a uma grande altura foi lançado em direção ao mar frio e revolto, repleto de todo tipo de criatura que a ciência nunca descobriu.

Por muitas vezes estive aqui, sempre observei o mar pela janela, fui capaz de imaginar como seria me atirar dali, como atirei o baú cheio de histórias do meu passado. Com toda certeza eu cairia lá embaixo, onde as pedras mortais aguardavam quem se atrevesse a ir de encontro a elas. Provavelmente elas me atravessariam ferozmente com suas formas pontiagudas, me roubando o ar e os sentidos. Será que a dor duraria segundos ou seriam minutos agonizando? Minutos que poderiam parecer horas, ou até mesmo anos. Mas como todos sabemos, o meu objetivo não seria as pedras pontudas, mas sim o mar um pouco mais a frente.

Porque logo conto a vocês que por várias noites pude observá-lo do alto do farol. Durante dias me impressionava com a sua grande revolta, mesmo sem qualquer sinal de tempestade ao céu. Me apaixonei ao som do mar sereno, abaixo do céu completamente nublado. Porque mesmo que as nuvens densas não marcassem presença, ainda sim o céu permanecia escuro, já que todas as estrelas morreram a aproximadamente um éon atrás.

Pois quando o mundo ainda era mundo pra mim, não existia diversão maior do que deitar na areia e brincar de contar pontinhos luminosos. Era como um pisca-pisca do maior galho e da maior árvore de natal que já pude presenciar.

Mais uma vez a solidão aparecia para me assombrar, junto a calada da noite que muito podia observar. Naquela madrugada, a superfície do mar estava a espera de alguém, com sangue quente correndo pelas veias. Meus ouvidos captaram barulhos altos e medonhos, os sons emitidos eram abafados, o que mais me assombrava eram os gritos estridentes e repetitivos que me causavam arrepios e pesadelos. Minha imaginação formulava a forma da monstruosidade responsável por todos esses gritos, que emanava loucura e desespero. No meio de toda esse acontecimento, ao menos uma certeza eu tinha: os gritos eram humanos, todo o barulho que ecoava na lateral da torre pouco antes do sol despertar, era o que mais me intrigava.

Vocês já devem imaginar que, eu sou uma louca que não resiste ao som de um instrumento, um piano ou violinos tocando, mas o som que eu ouvia quando permanecia escorada contra a janela, era sem dúvidas o mais feio que meus ouvidos já tiveram o desprazer de captar. Pareciam coros de vozes e gritos, puros e claros, o volume preenchia o ar se erguendo a partir do mar em direção aos céus. Aquilo era o som do medo!  Tenho certeza que qualquer viajante a muitos quilômetro poderia ouvir.

O que também pude perceber, era algo sendo arrastado do lado externo da minha torre, que contornava com grande esforço a área livre de pedras que possuía da ponta do precipício à água. Pude captar o som de alguém arrastando um bote pela areia em direção ao mar; em direção ao canto hipnotizante das águas. E apesar do grande esforço físico, era visível que estava ansioso e trasbordando felicidade por poder encontrar com as águas. Mas creio eu que ele não conseguiu chegar até onde desejava, pois foi assassinado violentamente.

Jamais saberia ao certo se ele foi até ali com conhecimento do que lhe aguardava. Esperançoso por um final épico e prazeroso, com um toque de tragédia grega, a vítima teve um ponto final em sua história. E o que sobrou foi apenas o seu corpo jogado sem nenhuma esperança ao lado do seu bote abandonado.

Durante horas pude ouvir, a respiração ofegante porém determinada do pobre homem. Escutei baixinho o canto da água quando o mar se faz o próprio silêncio; ouvi o horrível som aumentar e lentamente diminuir de volume; ouvi também o desesperado e ansioso homem em pedido para poupar sua vida. Existiam ali memórias, gritos e o barulho do assassino, sem medo de ser ouvido e julgado, se libertando de leis e se doando à doce agonia da morte. Imaginei como o mar estaria tingido de vermelho naquele momento,  mesmo tendo uma visão mais ampla da minha janela limitadamente me permitia ver, seria difícil distinguir o azul do rubro com toda aquela escuridão.

Muito ouvi do alto da minha torre, mas nada me fez tremer mais quanto a saudade de tudo que vivia, de tudo que me tomava por completo, cada segundo em que me lembrava do quão longe estava de casa, o quão longe eu estava de algo que não existia mais... Eu tocava minhas cicatrizes em meu antebraço e em meu abdômen em memória dos últimos segundos que tive com alguém que amava.

Eles sempre serão como viajante, atravessando um grande deserto e morrendo por querer águas limpas e refrescantes.

Meu grande universo, sei que há muito tempo você coloca esse peso todo em minhas costas, já que meu exílio durou o que pareceu ser uma eternidade. E eu juro que pensei em fugir e sair correndo em direção aos braços da escuridão, mas as consequências seriam muito severas para mim, e consequentemente para você.

A saudade, a solidão, a descrença, a falta de amor próprio, em qualquer um, são fantasmas de uma culpa que habita em minhas profundezas.

Todos desde a infância crescendo sem que enfrentasse qualquer tipo de problema, e eu que a cada vez que o tempo corre me faz amadurecer e perceber que eu fico mais fraca e mais fria a cada dia.

Eu basicamente aguardei e guardei o meu passado  triste e frio, joguei tudo fora pela janela de uma torre na ponta de um precipício para o mar... Todo esse aguardo se tornou o dia que mudou a minha vida, porque esse local que contei a vocês, foi onde nasceu a morte do tempo.

Meu único inimigo que eu não consigo vencer.

Presenciar o assassinato de alguém, escutar a dor do alguém sendo sacrificado, ver com a própria alma a ida da essência de alguém.

Foi assim que eu vivenciei o meu primeiro assassinato, conto a vocês que foi dessa forma que minha vida começou a mudar da água para o vinho...
ou melhor, da água para o sangue.

Nessa exata noite de sexta feira, eu presenciei um assassinato, não pude fazer nada, não pude ajudar e muito e menos vingar a sua morte. O meu tempo corre em um relógio que não tenho, a polícia está chegando, eu posso ser culpada por algo que nunca imaginei fazer!

Existe um culpado e todos sabem que não sou eu.

Mas a culpa é falha junto com o poder do sistema. 
O sistema fracassa porque sempre se faz de cego no momento em que a corda arrebenta do lado mais fraco.

Ironia do Destino Onde histórias criam vida. Descubra agora