No fundo era medo.
Era um medo tremendo de deixar alguém chegar até onde ninguém tinha ido.
Era um medo de ir até onde nunca fui.O apartamento de Caroline era diferente de tudo o que eu me lembrava de uma casa decente. Piso claro, paredes impecáveis, um conceito aberto que conectava a sala e a cozinha, e eu podia vê-la na cozinha, terminando de preparar o jantar. O cheiro da macarronada era simplesmente irresistível, e só aumentava a dor no estômago que já era insuportável. Minha cabeça latejava, minha boca estava seca, e eu tinha uma sensação de fraqueza de quem não come há muito tempo. A ironia de tudo isso? Eu estava mesmo parecendo uma mendiga — mas isso nem era mais uma piada.
Finalmente, Caroline colocou o prato de macarronada na minha frente junto com um copo gigante de Coca-Cola.
— Aqui está seu jantar. Espero que você goste de macarronada. — Ela se sentou à minha frente, observando, com uma expressão que misturava curiosidade e preocupação.
— Obrigada. — Falei, começando a comer praticamente sem fôlego. Aquela primeira garfada foi como um oásis. — Nossa, isso está incrível!
— Ei, calma aí! — Caroline riu, achando graça da minha fome desesperada. — A comida não vai sair correndo, Dayane.
Engoli com um pouco de vergonha e sorri, sem graça.
— Desculpa... Já faz alguns dias que não como direito. — Minha voz saiu baixa, sem jeito, enquanto desviava o olhar para o prato.
Ela ficou em silêncio por um momento, e então colocou a mão sobre a minha, o toque era quente, reconfortante, e, por um segundo, quase me fez sentir em casa.
— Você não precisa mais passar por isso. — A voz dela era tão suave que eu quase acreditei. — Qualquer coisa que você precisar... É só me procurar.
Olhei para ela com um sorriso sarcástico, mas por dentro eu estava em pedaços. Como assim ela queria ajudar? Só por eu ter contribuído com o caso?
— Olha, Caroline — comecei, meio ríspida — você não precisa me oferecer nada em troca da minha ajuda, ok? Eu vou colaborar de qualquer jeito, já estou nessa merda até o pescoço. Testemunhei um assassinato, lembra? — Revirei os olhos, tentando parecer indiferente. — Eu seria burra se não quisesse me livrar disso.
Ela estreitou os olhos, como se minha frieza a atingisse. Levantou-se devagar, os olhos agora pareciam mais duros.
— Sabe de uma coisa, Dayane? Eu tenho coração, ok? Não é tão absurdo eu querer ajudar você. — Ela deu as costas, indo até a pia, como se tivesse me deixado sozinha com aquele prato vazio e um monte de palavras não ditas.
Dei uma risadinha amarga.
— Ah, Caroline, não me leve a mal, mas eu já passei por tanta coisa que confiar em qualquer pessoa... — Minha voz falhou, e percebi que estava indo embora antes mesmo de terminar a frase. Virei-me para a porta, tentando esconder as lágrimas que, teimosamente, começaram a se acumular.
— E você acha que vai aonde? — Ela perguntou, e o tom firme dela me fez parar.
Virei-me devagar, sem saber ao certo o que responder.
— Você vai ficar aqui. — Ela me encarou com determinação. — Vai me contar tudo que passou. Eu quero saber com quem estou lidando. — Caroline se sentou no sofá, batendo ao lado para que eu me juntasse a ela.
Respirei fundo. Parte de mim queria resistir, fugir daquela exposição, mas outra parte, uma que estava cansada demais para lutar, queria ficar. Sentei ao lado dela, sentindo uma sensação estranha de segurança ao seu lado, algo que eu não experimentava há muito tempo.
— Tem certeza que quer saber? — Minha voz saiu quase como um desafio.
Ela assentiu, e o olhar dela não vacilou.
— Então... vou te contar como foi que eu perdi tudo... tudo em questão de horas.
Flashback: - POV Narrador
Dayane não conseguia dormir a noite. Passará a noite toda pensando em como tudo aquilo que era mais importante em sua vida havia acabado em questão de horas. Ela estava a todo momento chorando por perder aqueles que amava, chorando ainda mais por saber que em menos de duas horas seria o enterro de seus pais e de seu irmão mais novo. Todos mortos por causa de um incêndio. Ela não conseguia acreditar que isso acontecerá de forma bruta e dolorosa.
Por que as pessoas esperam a morte para dizer o que sentiam? Ficam o ano todo sem dar um "alô", basta uma morte na família para você ver a cara de primos ou tios que nunca viu na vida. "Não espere que alguém morra para se juntar família". Se juntem enquanto estiverem vivos, todos vocês, aproveitem cada minuto como se fossem o último. A vida não avisa quem vai primeiro.
Sua família se fora e ela nem poderia fazer nada. Agora, Dayane tinha que se arrumar e ir para o enterro das pessoas que mais amava, ver parentes e amigos que "diziam" se importar e seguir em frente. Mas a garota não sabia como "seguir em frente".
O acidente ocorrera na noite anterior do enterro. O Sr. e a Sra Lima e seu filho mais novo estavam em casa, enquanto Dayane, estava em uma festa com seu amigo Victor. Dayane e seus pais até chegaram a discutir por iso, ela saia demais, bebia demais, era tudo demais para uma jovem de 16 anos. Como sempre, Day ganhou a discussão, decidindo sair para aproveitar a noite.
Para Dayane, a festa não poderia ser melhor, ela bebia e beijava as garotas como se o mundo fosse acabar em instantes. O destino sabia que o seu mundo, em particular, estava prestes a acabar! Quando a hora atravessou as duas da manhã, Lima que ainda estava bêbada, recebe uma ligação da polícia local, que acabava de informar o ocorrido. Naquele momento, o mundo perfeito da garota desabou. Não existia sensação pior, a sensação da perda, o seu mundo havia caído e ninguém se importava com isso. Não podia ser verdade, em menos de quarenta e oito horas ela tinha discutido com seus pais e se despedido deles sem nem saber. Victor a abraçou forte, disse que iria ficar tudo bem, mas no fundo ela sentia que não iria ficar tudo bem... Nada iria ser como antes.
- Eu sinto muito! - Um homem loiro de olhos verdes conhecido por Dayane diz a abraçando de lado. - Saiba que eu estarei a seu dispor para o que você precisar. - Ele afirma e instantaneamente a garota solta uma risada sarcástica.
- Ah, Billy! - Dayane diz olhando em direção ao caixão de seus pais e de seu irmão. - Não seja tão hipócrita. - Ela afirma encarando os olhos verdes do homem. - Você sempre preferiu o meu irmão e nunca me tratou bem. - ela disse ríspida. - Não gaste sua simpatia comigo!
- Dayane, você não sabe da historia.- Ele retruca o seu argumento. - Mas caso mude de ideia e queira saber sobre sua família, ou até mesmo sobre a sua grande herança, - Billy suspira à fazendo revirar os olhos. - Você sabe onde me encontrar. - Ele diz se virando e caminhando contra sua direção.
Talvez aquele dia era o único na existência de Dayane, que algo apertava o peito, sufocava a garganta, era de perder a respiração! Aqueles dias em que Lima apenas desejava desabar, chorar até cansar, ou apenas dormir. Aqueles momento doía o coração, apertava tanto que a qualquer momento ela juraria não sentir mais nada.
- Hora de fugir Dayane! - A garota diz se despedindo dos corpos dos entes queridos, prometendo a si mesma que iria ser uma pessoa melhor depois desse acontecimento. "Jamais prometa coisas que sabe que não irá cumprir."
Flashback off :
- Como você sobreviveu sem ajuda? - Caroline me questionava com lagrimas nos olhos. - Como? - Ela pergunta limpando as lagrimas de seu próprio rosto.
VOCÊ ESTÁ LENDO
Ironia do Destino
RomanceDepois de uma grande tragédia, talvez Day nunca mais seria a mesma...Ela havia mudado, todos sabiam desse fato, a garota simplesmente não podia fechar os olhos para os erros do passado, que estremeciam seu cotidiano. Depois de perder sua família, o...