Olhar

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Torço para que você perceba.
Torço mais ainda,
para que você não perceba isso tarde demais.

Dias, dias após a saída da delegacia, dias buscando um emprego, dias dormindo em um sofá velho. A rotina me sacudia, o cansaço era notório em meus olhos, olheiras e corpo cansado, no final da rotina eu só queria voltar para o meu sofá velho e dormir, dormir até que minha vida se tornasse comum. 

Hoje a chuva caia, não parou de chover um segundo durante o dia, o movimento da cidade continuava o mesmo, milhares de pessoas cruzando o mesmo lugar, milhares de rostos e semblantes cansados rezando para que o dia acabasse logo. 

A saída do metrô estava uma correria, a chuva era torrencial e eu não possuía um guarda-chuva, aliás, eu não possuía nada. Logo de cara pensei em fumar um cigarro enquanto subia sentido a um dos becos que eu normalmente iria para pegar algum dinheiro emprestado. Era certo que o meu cigarro molharia todo, então eu parei sob um toldo de um bar insalubre, próximo a esquina de onde queria chegar. 

Eu me sentia um sentia um lixo, especialmente no dia de hoje que eu precisava de alguns trocados. As coisas continuavam dando errado, eu faltava cair aos pedaços de tão apodrecida por dentro. Era como se as pessoas ao meu redor pudessem pressentir, pudessem sentir o cheiro de entorpecentes que estava saindo de minhas entranhas.

Após olhar aquela chuva se despencar sobre o mundo, percebi que minha relação com tempestades não era tão boa assim, de fato eu odiava a chuva. Quer dizer, sei que a chuva é importante para a natureza e para o ecossistema, mas dias chuvosos apenas me davam a impressão de que estavam lavando toda essa máscara de tranquilidade que visto pela manhã. Essa roupagem de: tudo vai ficar bem, olhe pelo lado positivo!  Eu até tento, mas no fim eu só estou fingindo para as pessoas,  já deixei de acreditar nisso há um tempo.  "Pense pelo lado positivo, no fim das contas a merda emergirá à superfície, com seus raios de má noticias e seu cheiro característico."

Quando a noite vem chegando no centro da cidade, eu me sinto solitária, então vou procurar por becos que existem de leste a oeste na grande cidade de Nova York.  São nesses passeios que vou me lembrando onde moram as pessoas que me ajudaram.  Aqueles amigos que eu conversava e já não encontro mais, sorrisos que não brilham mais... Eu já estive com pessoas queridas em vários lugares, mas agora sozinha, sinto uma nostalgia danada. Sempre gostei de colocar significado em tudo, sabe? 

No final das contas, a única coisa que me resta é ascender um cigarro! Vocês devem saber que fumar na umidade é um saco, mas esse é um vício que eu particularmente gosto. Não sinto vontade de largar, ok?  Nenhuma droga me toma e me abraça como o cigarro, que me permite expressar prazer, desconforto e distração. Então mesmo em uma chuva desgraçada como essas, eu fumo.

Ao ver a fumaça se esvair-se pelo ar começo a observar a cidade grande. Nova York era muito bonita durante a chuva,  as tempestade esvaziavam os lugares, faz brilhar o asfalto, realça o contrate da água contra a luz. - Esboço um sorriso - Pequenas coisas ainda me faziam feliz por breves momentos. 

Debaixo daquele toldo, eu observava pessoas indo e vindo. Será que elas conseguem sentir e essa energia pesada saindo de mim? 

Uma mulher chama a minha atenção com seu guarda-chuva amarelo,  ela me olha e sorri, me parece alegre e simpática e eu a invejo. Ela continuava bonita e tranquila mesmo em meia a chuva, era aquele tipo de felicidade onde se é capaz de sorrir para estranhos. A velha Dayane gostava de gente feliz que esbanjava alegria em locais públicos, porque privadamente, tantas emoções assim acabam esmagando a gente por dentro. Eu juro, qualquer dia desses eu ainda vou ter coragem de sorrir e chorar em público.

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