A torre do Farol

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Todos os dias acordava às seis, aquela moça fria que sempre usava o mesmo casaco xadrez; acendia um cigarro e se dirigia à cafeteria da esquina, com um livro entre os braços sentava bem distante e pedia: "— Um café, com muito adoçante." porque de amargo, já basta a vida.

Oi, meu nome é Caroline. Caroline Biazin, pra ser mais exata. E, olha, se me arrancassem três dedos, eu ainda poderia contar quantos amigos tenho nos dedos que sobrassem. Não é que eu seja anti-social, longe disso. A verdade é que nunca gostei de me enraizar nas pessoas. Relações prolongadas... são como cordas: quanto mais se estendem, mais te prendem.

Escrever também nunca foi minha praia. Mas preciso botar tudo pra fora, mesmo que ninguém além de mim leia. Talvez eu só esteja falando para o papel porque meus amigos estão longe. Nunca fui boa em lamentar minha dor na frente de alguém, sabe? Só que hoje... hoje a dor foi funda. Aquele tipo de dor que te suga, como no filme ABC do Amor. Achei que cenas assim eram pra adolescentes, que passariam rápido. Mas olha eu aqui, aos 24, descobrindo que a dor tem várias formas de te fazer refém.

Sai do término como quem joga o cabelo, cara erguida. Tipo: "Vou sair com os amigos e curtir até o amanhecer." Que ilusão. Estou na minha décima quinta noite assim, pra ser bem exata. São três da manhã, e aqui estou, com uma garrafa de vinho barato – exatos dezoito reais de consolo. Sabe aquela sensação que dá de que, exatamente às três, os portões do inferno se abrem? Pois é. Aqui, eles se abrem em forma de lembranças.

Sozinha, com esse vinho branco amargo, percebo que mais do que qualquer bebida, o que falta é algo pra preencher o vazio. Fígado eu já nem devo ter mais, mas um órgão a menos nunca é demais quando o coração já foi perdido há tempos.

Será que estou exagerando? Será que alguém acharia que é puro drama? Ah, que se dane, eu não vou apagar nada disso.

Claro, você chegou na conversa pela metade, no meio do caos, mas talvez seja melhor assim. Explicando rápido: Tayler, cabelo curto, castanho, com aquele sorriso de canto que parecia guardar mil segredos. E eu fui boba o suficiente para acreditar que esses meses de amor eram eternos. Ele terminou dizendo que sairia triste, que passaria a noite em claro. Décima quinta noite, e ele está bem, enquanto eu estou aqui, tentando calcular se ainda tenho os outros dedos para contar as pessoas que restaram.

Mas, espera aí, talvez eu ainda seja a mesma Caroline. Na verdade, eu sou. Detetive Caroline Biazin, com licença. Porque aqui, nas ruas de Nova York, eu sou a Detetive Biazin. Eu sou Caroline Biazin, e se alguém tentar me arrancar três dedos, eu mesma coloco o infeliz atrás das grades.

– Chamada para a Detetive Biazin! – O celular vibra na mesinha, tirando-me dos meus devaneios de desamor. A mensagem brilha na tela. – Caso de homicídio a ser investigado. Dirija-se ao farol do píer de Manhattan Beach.

– Quem diabos morre às três da manhã? – murmuro, já exausta. Esse horário é maldito.

Levanto, ainda sentindo o amargor do vinho barato na boca, mas vou pegando a chave do carro. Não é que eu ame o que faço, mas tem algo em resolver mistérios que preenche um pouco do vazio aqui dentro. Cada caso resolvido é como um pedaço do quebra-cabeça, uma chance de eu encontrar algo que realmente importe. Nova York e suas ruas violentas... Há quatro anos, eu decidi que seria a lei nessa cidade. E, de algum modo, saber que sou parte dela, que protejo suas noites – e as minhas – me mantém em pé.

Subo no carro e encaro a cidade. O farol no píer me espera, assim como o próximo mistério. Quem sabe, desta vez, esse caso seja mais intricado que minha própria vida.


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