Because i lost it all .
Sentada no chão frio da varanda, deixei que o vento da madrugada me envolvesse, trazendo aquele arrepio que me fazia lembrar de todas as noites em que me sentia esmagada pelo silêncio. Era o tipo de frio que parecia penetrar até os ossos, mas que de alguma forma também me acalmava. Uma garrafa de Bourbon meio vazia era minha única companhia, e talvez meu único consolo. A bebida escorregava pela garganta, queimando um pouco e fazendo o vazio parecer menos intenso
— pelo menos por um instante. Eu sabia que o sol ia nascer em algumas horas, mas a luz não trazia esperança. Só lembrava que eu ia precisar enfrentar mais um dia.
Olhava para a minha caligrafia rabiscada num papel amassado ao meu lado, tentando entender por que aquela dor insistia em ficar presa na garganta, como se a qualquer momento pudesse explodir. De repente, uma voz familiar me trouxe de volta à realidade.
— Você devia parar de remoer coisas que já foram feitas! — a voz de Anna era cortante, cheia daquela confiança irritante. Ela se sentou bem na minha frente, pegou a garrafa e deu um longo gole, como se tivesse todo o direito do mundo de estar ali. — Você pensa demais no passado, sabe disso! -- Revirei os olhos e soltei um riso sarcástico.
— Ah, claro, porque você é a última pessoa que deveria me dar esse tipo de sermão, não é? — retruquei, cheia de ironia. — Afinal, olha onde você está agora... do meu lado, exatamente onde disse que não queria estar. -- Ela revirou os olhos também, mas não parecia abalada.
— Eu sei que baguncei muita coisa na sua vida. Mas isso não me torna pior que você, certo? — Ela fez uma pausa, observando minha reação, e deu mais um gole antes de me devolver a garrafa. — Dayane, nós duas éramos imaturas. Eu tinha dezessete anos, você, quinze. Não éramos prontas para lidar com tudo isso. -- Senti sua mão deslizar pelo meu rosto, mas sua tentativa de carinho só me fez afastá-la com um leve movimento.
— Um verdadeiro "livramento", foi o que a sua partida foi pra mim — soltei, olhando diretamente em seus olhos azuis, que refletiam a mesma mistura de culpa e raiva que eu sentia.
— A gente é completamente diferente, Anna. Eu sempre fui a ovelha negra e, sabe, quando todo mundo insiste em me tratar assim, o que me resta? A não ser me tornar uma? – Ela suspirou, irritada, e sua voz aumentou um tom.
— Você é assim porque quer, Dayane. Não vem com esse papo de vítima. Não seja hipócrita ao ponto de dizer que sempre foi essa pessoa amarga, porque eu me lembro de outra versão!
Soltei uma risada amarga, sentindo o peso de cada palavra que saía da minha boca.
— Eu não escolhi isso, Anna. Precisei aprender a sobreviver, e não foi porque eu queria, foi porque eu não tive opção. Eu não sou mais aquela garota doce que você conheceu, não mais.
Ela me olhou de um jeito que eu não conseguia decifrar, mas sua voz saiu suave, quase como se quisesse me consolar.
— Eu sei que aquela garota ainda está aí, em algum lugar — ela disse, colocando a mão sobre o meu peito, bem onde o coração batia mais rápido do que eu gostaria de admitir. — Mesmo depois de tudo, dos erros e das escolhas erradas, eu sei que a Dayane de dois anos atrás ainda está aí, implorando pra sair.
— O que eu podia fazer para não ser assim, me diz? — minha voz tremia de raiva e frustração. — Eu falhei, desperdicei todas as oportunidades que tive nessa vida. Talvez seja o meu destino, meu karma... e esse ódio que eu sinto, talvez nunca desapareça.
Antes que ela pudesse responder, joguei a garrafa no chão, vendo os pedaços de vidro espalharem, como se cada pedaço refletisse o caos que existia dentro de mim. Sem olhar para ela, dei as costas e caminhei até a porta.
— Quando eu voltar, quero você fora daqui.
Abri a porta com raiva, e foi aí que dei de cara com alguns homens de uniforme, policiais que pareciam desconfortáveis ao ver minha expressão desafiadora, mesmo que eu estivesse claramente bêbada.
— Dayane de Lima Nunes? — um deles perguntou, e eu apenas assenti, sentindo a tensão aumentar ao ver Anna atrás de mim, com o rosto pálido, o olhar preocupado. Eu sabia que, de alguma forma, tudo estava prestes a mudar... de novo.
Suspiro umas três vezes antes de puxar o papel da mão do homem que estava a minha frente, leio atentamente as letras contidas no envelope e o abro sem pudor nenhum, me assustando assim que me toco do que se tratava. - Senhorita Lima, estamos aqui com um mandato de busca pelo seu apartamento. - Ele diz já adentrando sem convite algum. - A senhorita é uma das suspeitas do assassinato do Senhor Turner, e como necessário, é preciso que façamos uma busca sobre causas suspeitas em seu apartamento.
— Esse apartamento não é meu! — Tentei, com uma urgência quase cômica, barrar a entrada dos policiais, plantando os pés na porta como se isso fosse fazer alguma diferença. — Estou morando aqui de favor... — Inventei, sem muito talento pra improviso, mas tentando ganhar tempo.
— Existe algum jeito de... rescisão? Desse mandato? — Perguntei, quase esperançosa, como se a palavra "rescisão" fosse um talismã mágico.
O policial me olhou sem sequer piscar, meio divertido, meio entediado.
— Infelizmente, não. — E com isso, ele deu um sinal, e o resto do batalhão invadiu o apartamento. Vi Anna, mais pálida do que nunca, olhando assustada para cada policial que se espalhava pela sala.
— Vamos recolher tudo o que acharmos suspeito por aqui — ele continuou com um tom que indicava que ele já tinha feito isso umas cem vezes naquela semana. — Se não encontrarmos nada incriminador, o material será devolvido.
Suspirei fundo, tentando parecer indiferente. Mas, internamente, meu orgulho estava em farrapos.
— Que se dane — disse com toda a convicção que eu ainda conseguia fingir. — Façam o que quiserem. Não dou a mínima.
Dei de ombros e deixei-os pra trás, ignorando o olhar de Anna que parecia implorar por algum tipo de explicação.
Assim que pisei na rua, uma onda de pavor me invadiu, um frio na espinha daqueles que te faz questionar cada decisão da sua vida. Era aquela sensação, sabe? Como quando você está na 5ª série, todo mundo já terminou a prova, tá indo embora, e você ainda está ali, travada, encarando uma folha em branco. Eu me sentia assim: perdida, enquanto o resto do mundo parecia saber exatamente pra onde ir.
E se isso fosse uma prova da vida, eu estava reprovando miseravelmente. Era como se todos ao meu redor tivessem as respostas. Todo mundo indo embora, seguindo em frente, enquanto eu ficava pra trás, sem saber nem por onde começar. A angústia parecia engolir tudo ao redor, me deixando com um milhão de perguntas e nenhuma resposta.
E, claro, na 5ª série sempre tinha um amigo esperando do lado de fora, mas agora? Quem me esperava? Quem estava ali pra perguntar como foi? Quem ficava pra me ajudar a encontrar o caminho? E agora? Quem vai me passar as respostas? E agora? Quem vai segurar minha mão nessa prova que a vida insiste em chamar de "escolhas"?
E agora... qual é o meu lugar?
Senti o peito apertar com as palavras que eu mesma não conseguia responder. No fundo, eu sabia pra onde precisava ir: Caroline. Ela ia ter que me explicar essa história. Era uma amiga ou não era? Por que ela não me avisou? Ela sabia que isso ia acontecer? Ela sabia que eu poderia ser presa? Prometeu que tudo ficaria bem, mas agora parecia que só me enredou nessa confusão.
A cada passo, minha mente fervia, carregada de perguntas e de um ódio que eu nem sabia que era capaz de sentir. Raiva da traição, do medo, do papel ridículo que eu estava fazendo. Raiva dela, de mim, de tudo. Eu estava disposta a fazer qualquer coisa pra tirar tudo a limpo, e se isso significasse sacudir Caroline até ela responder, que assim fosse. Ou até esvaziar uma garrafa da pior cachaça do mundo antes de ir atrás dela, porque, honestamente, uma dose de álcool me parecia o mínimo pra encarar essa conversa.
Chega de desculpas, chega de promessas vazias. Eu iria beber, sim, mas também ia encará-la com toda a fúria de quem não tem mais nada a perder.
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Ironia do Destino
RomanceDepois de uma grande tragédia, talvez Day nunca mais seria a mesma...Ela havia mudado, todos sabiam desse fato, a garota simplesmente não podia fechar os olhos para os erros do passado, que estremeciam seu cotidiano. Depois de perder sua família, o...