Meu caminho

902 88 10
                                    

Foi então que percebi que não tinha escapatória.
Sempre haveria alguma coisa que precisava ser feita,
se não te riscariam do mapa.
Era duro reconhecer, mas fiz questão de anotar,
perguntando-me se algum dia encontraria um meio de me livrar daquilo.


O silêncio dentro de mim é denso, como um peso que parece crescer a cada segundo, a cada pensamento que surge sem ser convidado. Às vezes, tento afastá-los, mas eles são teimosos, insistem em ficar, como se estivessem enraizados dentro de mim. Talvez sejam os pensamentos que eu nunca quis enfrentar, aqueles que fico tentando esconder nas sombras do meu ser.

O medo que me consome agora é o mais cruel de todos. Tenho medo de não conseguir dar à Caroline o espaço que ela merece, o espaço que sua generosidade pede. Ela, que quer estar ao meu lado, que quer me ajudar, se vê às voltas com meus fantasmas. E é isso que me petrifica. Não consigo olhar para ela sem temer que, a cada dia, eu esteja mais perto de feri-la. E, no fundo, sei que ao esconder meus segredos dela, ao me afastar, estou cometendo um erro. Mas é o único que posso cometer sem que eu a machuque de maneira irreversível. O mais profundo de mim sabe que não posso criar sentimentos por ela. Isso seria fatal para ambos. Eu já machuquei tantas pessoas, não posso arriscar mais uma.

— O que tanto se passa nessa sua mente? — A voz de Caroline chega suave, mas carrega uma ponta de curiosidade. Ela está atrás de mim, e eu permaneço imóvel, observando a manhã que se estende diante da sacada do seu apartamento, como se a paisagem pudesse me trazer alguma resposta. Não há paz ali, apenas uma constante sensação de que o que está por vir vai me arrastar para longe.

Ela se aproxima, encurvando-se ao meu lado, como se tentasse ler os pensamentos que eu escondo. Ela é boa nisso. Talvez até melhor do que ela imagina.

— Não vai querer fugir de novo, não é? — Ela solta a frase com um tom irônico, e uma risada amarga escapa dos meus lábios sem que eu consiga controlá-la. Olho para ela com um sorriso forçado, tentando esconder a dor que sinto.

— Não preciso fugir de algo que não me prende — respondo, sem hesitar, olhando diretamente para os olhos dela. Eu tento ser firme, mas as palavras saem secas, como se o peso da verdade estivesse em cada sílaba.

Caroline franze a testa, seu olhar se tornando mais penetrante. Ela percebe o que estou tentando esconder, e, mesmo assim, insiste. Como se não pudesse aceitar minha resistência.

— Qual é a dessa amargura toda em seu coração? — Ela pergunta, a voz baixa, mas carregada de uma preocupação que eu não sei se mereço. Ela não entende, e talvez nunca entenda. Não importa o quanto eu tente explicar. O que está dentro de mim é algo que eu mesma mal consigo decifrar.

— Só não entra na minha cabeça que, em alguns dias, eu vou novamente morar nas ruas — digo, tentando me mostrar indiferente. Dou de ombros, como se aquela fosse apenas mais uma realidade que eu tivesse que aceitar. Mas a verdade é que eu já me acostumei com o abandono. Já aprendi a viver com ele, como uma sombra constante.

Ela se cala por um momento, e eu posso sentir o desconforto dela crescer. Mas ela não desiste. Caroline nunca desiste de mim.

— Mas e o seu amigo? Você não vai morar com ele mais? — Ela pergunta, sua voz carregada de uma confusão genuína. Sei que ela quer entender, mas a situação é mais complicada do que ela imagina.

Eu respiro fundo, tentando engolir a dor que se forma em meu peito com cada palavra.

— O amigo dele vai vir de outro país, e além do mais, eu não vou incomodar mais do que já incomodei — respondo, minha voz vacilando ligeiramente. Mesmo que eu quisesse, eu não conseguiria explicar tudo. A vida, a solidão, os erros cometidos. Eu não sei se ela seria capaz de suportar o peso de tudo o que carrego dentro de mim.

Ironia do Destino Onde histórias criam vida. Descubra agora