POV CAROL BIAZIN
Desde aquele dia, nós duas evitávamos qualquer conversa sobre o que tinha acontecido. Era como se estivéssemos fugindo de algo, talvez da intensidade que mal conseguíamos encarar. As conversas aleatórias eram presentes em nossa rotina, risos e brincadeiras, tudo e nada ao mesmo tempo. Os olharem eram indiscretos, não fazíamos questão nenhuma de disfarçar, os meus olhos corriam pelo seu corpo quando ela saia do banho ou caminhava pelo apartamento sem camisa, ela queria me provocar e estava conseguindo. Os flashes daquele momento continuavam voltando para mim, invadindo meus pensamentos a cada instante, sem trégua. Eu lembrava dos toques dela, da maneira como seus dedos deslizavam pela minha pele, da urgência nos seus lábios. Aqueles detalhes me tiravam a sanidade, e era como se eu estivesse vivendo no mundo da lua, à espera, desejando que tudo aquilo se repetisse.
Era o dia do primeiro show da morena, o clima era bastante animado, Dayane estava feliz e isso me causava uma paz absoluta. O pub, New States, era um dos locais mais icônicos da cidade, reservado para eventos grandiosos. Sempre que tinha um show ali, era certeza de uma multidão de pelo menos duas mil pessoas. O espaço era enorme, com um palco de tamanho médio bem no centro, um balcão de bar à lateral, e um salão aberto para o público que ainda estava vazio, esperando o grande evento da noite. Dayane fazia uma vocalização, andando de um lado para o outro, focada, cantando uma melodia aleatória para preparar a voz. Estava tão concentrada nas músicas, nos microfones, em cada detalhe do ensaio, que nem percebeu quando entrei discretamente. Eu convenci o dono do pub a me deixar entrar mais cedo — queria assistir de perto, sentir cada momento. Me acomodei em um canto discreto, dançando sozinha ao som dos ensaios, observando cada movimento dela, cada nota.
Dayane tinha me contado tantas vezes sobre o sonho de cantar num lugar como aquele. Hoje, ela estava prestes a realizar esse desejo. Eu a olhava, com uma admiração tão grande que quase me movia a levantar e atravessar o salão vazio só para abraçá-la. Mas me contive. Ela estava na sua zona, focada, em total harmonia com aquele momento. Não queria atrapalhar. Eu só queria vê-la sendo Day, a estrela que ela sempre quis ser.
A cada música que ela ensaiava, eu via a tensão na sua postura, o olhar ansioso que ela tentava disfarçar, os pequenos gestos nervosos ao ajustar o microfone, a respiração profunda antes de cada melodia. Naquele palco, ela deixava de ser a Dayane de Lima para se transformar em Day, uma força da natureza, pronta para conquistar o palco e tudo que viesse com ele.
A morena percebeu a minha presença no local quando um de seus amigos da banda perguntaria um pouco animado de mais o que eu fazia ali.
— Você já chegou? Achei que viria mais tarde!
— Eu queria ver o ensaio. — Afirmei sorridente. — E olha, pelo som que vocês estão fazendo ali, eu juro que esse ensaio nem era preciso. — disse dando um pouco de confiança a ela.
— Você vai ficar até o final não é? — Ela me perguntou com aqueles olhos de quem queria tudo. — Eu queria comemorar com você depois.
— Claro! — Sorri — Hoje a noite é sua meu bem, e eu quero que você dê o seu melhor.
— Ali encima, eu sempre dou o meu melhor. — Ela disse apontando para o palco. — É aqui que começo a ter uma vida de verdade, Carol!
— Sim, eu sei! — Disse sorridente. — Eu estou orgulhosa... Mas agora vai lá ensaiar, não quero atrapalhar você. — Disse, a mesma deixou um beijo em minha testa e logo foi virando as costas. — Ei, Lima? — Falei e ela se virou para mim novamente. — Você está linda!
Com muitos pedidos de desculpa e sorrisos constrangidos cada vez que eu pisava no pé de alguém ou esbarrava com o cotovelo em alguém no caminho, finalmente consegui chegar até o balcão do bar. Ao me acomodar ali, longe do aperto da multidão, respirei fundo, sentindo um alívio que só o espaço ao redor e o ar fresco poderiam me dar. A atmosfera abafada de tanta gente, somada ao calor dos corpos, dava lugar a um novo tipo de excitação: o show dela ainda estava longe de acabar, e eu tinha uma noite inteira para admirar Dayane no palco. Nada poderia me tirar daqui tão cedo.
-- Me vê uma bebida? -- pedi ao barman, com um sorriso de quem sabia que ia aproveitar aquele momento ao máximo. Ele me ofereceu uma dose de Spirytus Stawski. Eu ri, aceitando o desafio em um gole só — claro que não ficaria bêbada com apenas uma dose... ou pelo menos foi o que pensei.
Assim que engoli o líquido transparente, uma onda quente tomou conta de mim, me deixando mais leve, como se alguém tivesse me sacudido por dentro. Pedi mais uma dose, só para aquecer um pouco mais e deixar o corpo solto sobre o balcão. De repente, cantarolar junto com Dayane parecia a coisa mais natural do mundo. Cada nota que ela soltava me puxava, meu coração batia mais rápido. Ali, no meio de tanta gente, eu não precisava me segurar, eu estava completamente envolvida, deixando os impulsos fluírem.
Foi então que ouvi a voz dela. -- A próxima música é a que vai encerrar o show! -- anunciou ao público, e eu fiquei mais alerta, fixando o olhar nela. -- E eu só quero agradecer a vocês por toda energia incrível. Meu maior desejo hoje é dedicar essa música para uma pessoa especial.
Meu coração quase parou; eu estava em choque, só conseguia olhar para ela. Quem sabe, talvez essa pessoa especial... pudesse ser eu?
Dayane continuou, a voz carregada de emoção. -- Se você está ouvindo isso, saiba que você tem sido muito especial pra mim, e eu quero que você escute essa música com atenção. -- A melodia de Scary Love começou, e senti uma onda de vontade de ir até lá, de fazer com que aquela música fosse apenas para mim, de verdade.
A cada verso, eu me via mergulhando mais fundo, imaginando que ela estava cantando diretamente para mim:
"Move to the city with me
I don't wanna be alone
You're too pretty for me
Baby, I know, it's true, yeah"As palavras dela me atingiam como flechas certeiras. Eu sabia exatamente do que ela estava falando. Quantas vezes ela tinha me dito o quanto gostava de estar comigo, de como a minha presença parecia tornar o mundo dela mais vivo? Ela cantava como se falasse direto para mim, e cada nota fazia meu coração acelerar.
"Baby, you got me worried
Your love is scaring me
No one has ever cared for me
As much as you do"Aquelas palavras pesavam no ar, e meu peito apertava, quase dolorido. Eu queria ir até o palco, queria tanto ter a certeza de que eu era essa pessoa especial para ela. Em meio ao público, eu era só mais uma. Mas para ela... eu queria ser tudo.
"Drivin' through the city with me
Just watching you glow
I'm in the passenger seat
You're in control"Enquanto ela cantava, me senti embriagada por tudo que ela era e representava. Aquela força e intensidade em sua voz, cada movimento dela no palco, o brilho no olhar... tudo me atraía, me fazia querer mais. Tive a certeza, ali, perdida naquela multidão, que eu estava apaixonada por Dayane.
No fim, quando a música terminou e o silêncio tomou conta do pub por alguns segundos, só me restou a esperança. Eu queria que, em algum lugar dentro dela, Dayane sentisse o mesmo. Queria que, como eu, ela também tivesse essas dúvidas, esses desejos, essa vontade de se perder nesse sentimento.
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Ironia do Destino
RomanceDepois de uma grande tragédia, talvez Day nunca mais seria a mesma...Ela havia mudado, todos sabiam desse fato, a garota simplesmente não podia fechar os olhos para os erros do passado, que estremeciam seu cotidiano. Depois de perder sua família, o...