Eu tenho a mim, isso é o suficiente

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Amor é acontecimento: é o que sobra depois de todo esquecimento. Queria que ele coubesse no que eu vejo em você. Queria que ele soubesse que eu acredito em você. E que você sorrisse todas as manhãs como se quisesse me encontrar todas as noites; e à tardinha também. Dizer que me ama ao som de Jorge Ben, jurar que me quer ao ler Baudelaire. E não só risse para afastar o desespero. E não sorrisse para fingir que o amor te alegra. E não sumisse por temer o que te espera. E assumisse que o que já fomos, já era. E na mesmice dos nossos desencontros, eu me encontro completamente indiferente ao que você sente... Em vão... Em vão... Em vão... Pra onde vão os nossos silêncios quando deixamos de dizer o que sentimos?

Eu me chamo Antônio

Deitada no sofá cinzento da sala, ouvindo somente o silêncio penetrante que vagava por cada canto da casa, percebo que até o ato simples de respirar dói imensamente dentro de mim. Eu estava me despedindo da fazenda de Billy, sairíamos para a turnê em algumas horas e o meu coração não se contentava de tanta ansiedade. A parte dolorida surgia quando pensava que precisava me despedir de Caroline, ela ainda estava ali mas eu podia sentir que o seu coração estava em outro lugar.

Nos últimos dias o teto tem sido uma das únicas coisas que ainda vejo cor, por mais que ele seja totalmente branco. Infelizmente esse foi o jeito positivo de encarar a minha realidade amorosa há algumas semanas. Mesmo que não estivesse contando o tempo, tinha certa noção de que haviam se passado uns trinta e cinco minutos desde que eu comecei a observar e pensar. Não me permiti ir até o quarto onde ela estava, embora a curiosidade em saber o motivo da mesma não fazer nenhum barulho enquanto pegava o restante de suas coisas estivesse praticamente me matando segundo após segundo.

Tudo ao meu redor se despedaçou depois que ela decidiu mudar de vida. Mudar a minha vida, feliz e amada, justamente por ajudar e estar com ele. Eu sentia falta dela, para mim era incrível vê-la depois de um dia cansativo, ou apenas poder ser acariciada involuntariamente por alguém que me amasse de verdade, fatos que aconteciam com frequência antes deles se reencontrarem.

Todos os pontos altos do nosso relacionamento se resumem a baixos. Os cafés da manhã na cama aos poucos foram deixados de lado que até mesmo o simplório 'bom dia' sumiu do nosso vocabulário, assim como o maravilhoso som do 'eu te amo'. Chorar no ombro de alguém pela ausência de um casal que não existe mais não estava nos meus planos de vida, mas claramente isso não importa mais pois até preferiria a ficar sozinha e sofrer o passado sem consolo depois de tudo o que aconteceu.

— Eu não achei minha camiseta do batman.. — Sua voz ecoou pela sala porém eu ainda encarava a única luz que sobrou por aqui: a do teto. Já que um pouco que vivia em mim certamente foi roubada cerca de meses atrás. — Você por acaso sabe onde ela está?

— Não. — Respondi seca.

— Tudo bem. — Comentou sem graça após bons segundos em silêncio. — Eu não gostava muito dela mesmo. — provavelmente para apaziguar meus sentimentos, Carol soltou uma risadinha fraca mas calou-se assim que se deu conta que somente o som da sua voz pairava o ar.

-- Não, Caroline.-- a interrompi. — Não comece nenhum discurso altruísta!

— Eu estou apenas preocupada com você. — explicou, deixando a mala de rodinhas de lado e aproximou-se do meu corpo jogado no sofá. — Você está com os olhos inchados, não deita na sua própria cama e ainda por cima não dorme. Estou me sentindo totalmente culpado por você estar desse jeito, então me deixa te ajudar.

— Eu estou indo embora em algumas horas Caroline, como você desejasse que eu me sentisse? Eu não sei quando eu vou te ver ou se um dia vamos resolver esses sentimentos que nomeamos de relacionamento! — Disse sem emoção alguma. — Você não pode fazer nada. — retruquei, dessa vez olhando para ela,  tirando minhas costas do estofado e sentando aonde meus pés estavam. — Eu estou uma bagunça, eu sei. — foi inevitável não levar minhas mãos à testa após a fala completamente sincera, tendo uma pitada de tantos sentimentos que aquela conversa me proporcionava. — Ainda estou quebrada, mas sigo tentando encontrar meu caminho de volta.

— Me desculpa por te causar tudo isso. — fechei meus olhos na intenção de não chorar em sua frente novamente e deixar a situação ainda mais difícil. Lembrar que ela havia me trocado por outra pessoa era simplesmente indigerível, e nada que eu falasse ou fizesse tornaria isso mais fácil. O silêncio, de maneira mais presente desta vez, pesou o clima de forma desconfortável, já que metade de mim não queria sentir mais dor. Contudo, a outra parte, repleta de impulsividade, queria tê-la por perto; gostaria de receber amor de volta. Mas a primeira calou a segunda com aquele silêncio ensurdecedor. — Bom, acho melhor eu ir embora. — o som das rodinhas arranharam o chão até a porta, que foi aberta por Caroline antes de abrir a boca pela última vez. — Se precisar de alguma coisa, saiba que pode contar comigo. -- falou com a voz trêmula. — Nossa namoro acabou mas você ainda tem a mim. —

Começar uma discussão não faria bem para mim, mas era o que eu queria. Falar todos os pensamentos, indignações e questionamentos que não falei em nossa última briga poderiam ser facilmente ditas agora, sem pensar duas vezes se elas pudessem machucá-la. Porém, depois de conviver comigo calada e triste durante dias, refleti sobre mim, sendo o suficiente para o amadurecimento tomar conta e fazer seu trabalho sem ao menos cogitar na possibilidade de agir por impulso. Afinal, eu estava encontrando meu caminho de volta, curando as feridas profundas que ela mesmo causou.

— Não. — afirmei sem encará-lá, deitando-me novamente no sofá. — Eu não tenho você. — conclui, sentindo um aperto no peito. — Eu não tenho o seu amor. — continuei após uma pausa, com os olhos fechados. — Eu não tenho a sua camisa do batman. Nem mesmo os quadrinhos que você adora ler. — o riso fraco foi a única expressão diferente que pude oferecer naquele instante. — Eu não tenho muita coisa que vem de você! — Dei um longo suspiro. — Mas eu tenho a mim e isso é tudo o que eu preciso agora!

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