Capítulo 27

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Desde que Lola foi internada após sofrer um infarto, a vida de Mayara virou de ponta cabeça. A médica que atendeu sua mãe receitou, além de alguns medicamentos e uma dieta restritiva, repouso absoluto por pelo menos um mês, o que fez com que Joana tivesse de se ausentar da loja de sabonetes para ficar de olho na esposa, que era bem teimosa.

Com isso, após pedir permissão para Diego, a moça passou a levar Paulo com ela até a lojinha de sabonetes e sais de banho das mães, para trabalhar lá meio período. Não havia problema nenhum, Diego e Marcelo estavam a par de tudo e lhe deram o maior apoio e Paulo gostava da loja, dizia que cheirava a "um banho de espuma sem fim", mas Mayara tinha a impressão de que havia algo errado. Era como se estivesse sendo constantemente observada.

Naquela tarde, estava embrulhando um kit de sabonetes artesanais para uma senhora, enquanto Paulo assistia tevê na saleta de descanso nos fundos e pintava alguns desenhos. Não era muito boa fazendo embrulhos, mas acreditava que estava melhorando com a prática.

– Oiê, alguém ai está com fome? – ergueu o rosto ao ouvir aquela voz e abriu um grande sorriso, Letícia entrava pela porta carregando uma sacola com marmitex e outra com uma garrafa grande de suco.

– Ai, estou morrendo de fome, deixa só eu terminar o pacote desta senhora e encontro com você lá nos fundos. O Paulo tá lá assistindo desenho. – Viu Letícia dar uma piscadela simpática em sua direção e rumar até a porta no canto da loja. Desde o infarto da sua mãe, a outra moça vinha lhe dando muito apoio e isso foi um ponto mais que positivo no desenvolvimento dos sentimentos de Mayara por ela.

***

– Oi rapazinho, que tá assistindo? – Letícia depositou as sacolas sobre uma mesa de fórmica pequena no canto do cômodo e sentou-se no sofá, atrás do garoto que desenhava na mesinha de centro.

– Não sei direito, mas são legais. – respondeu o menino sem tirar os olhos do desenho. Estava vindo naquela loja com Mayara pelo menos três vezes por semana e ficava lá até quase seis da tarde, quando Marcelo ou Diego vinham buscá-los e então, um deles levava Mayara até em casa. Numa dessas idas, o garoto entrou na casa da moça e foi ver a mulher que passara a chamar de "Vovó Lola" e apesar de ter levado um susto com a aparência cansada, viu como ela ficou feliz em vê-lo e o calor gostoso do seu abraço.

E claro, Vovó Joana o encheu de biscoitos e suco e beijos e abraços. Era engraçado, antes, ele não tinha nenhum avô, agora tinha três avós, contando com a mãe de Marcelo, Rita.

Naquela manhã ele tinha empurrado Emmanuel para longe de Agatha, pois o menino vinha perseguindo-a e rindo dela, gritando que o pai havia abandonado a mãe porque era um cara ruim e claro, isso fez a menina chorar e ferveu o sangue de Paulo. O empurrão não saiu sem uma ameaça de "você me paga, fresco".

Era assim que Emmanuel vinha chamando-o há algum tempo, "fresco", ele não entendia bem o significado, mas sabia que vindo do outro garoto, devia ser algo ruim. Estava concentrado na lembrança de mais cedo, o lápis de cor suspenso há alguns centímetros do desenho e os olhos turvos fixos num ponto qualquer da tevê. Letícia falava com ele, mas não obtinha resposta, até que foi chacoalhado de leve no ombro e acordou.

– O que? – piscou algumas vezes, percebendo onde e com quem estava e como seu coração parecia bater forte dentro do peito. Largou o lápis de cor e sentou ao lado da moça no sofá, suspirando cansado.

– Tá tudo bem, Paulo? – a ouviu perguntar e pensou em várias respostas, mas no fim disse apenas "tá sim". Não queria preocupar ninguém com o que estava passando na escola, apesar de toda a conversa que todos os adultos a sua volta tinham com ele para que sempre contasse se algo ruim estivesse acontecendo.

Lar é onde o coração estáOnde histórias criam vida. Descubra agora