Capítulo 73

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Joaquim já estava freqüentando as aulas do curso técnico há duas semanas e apesar de no quesito educacional tudo estar correndo bem, já que ele conseguia entender as matérias, no social as coisas iam um pouco diferente.

Apesar de ser um curso técnico noturno, a grande maioria dos alunos não tinham mais do que 18 anos e ele com seus 26 se sentia deslocado e notava as expressões de desprezo dos demais estudantes. Claro que tentou puxar assunto, mas foi rapidamente descartado tanto pelos outros rapazes quanto pelas moças do curso.

E isso acabou acertando seu orgulho como ser humano, fazendo-o se dar conta de que, além de Francisco e Diego, Marcelo e Mayara, que eram por extensão originalmente amigos do namorado, ele não tinha ninguém com quem sair ou conversar.

Tal pensamento o fez acordar bem mais cedo do que o normal e ir se instalar na pequena sala de estar do apartamento, onde ligou a tevê baixinho e deixou os pensamentos corrosivos tomarem conta da sua mente.

"Por que ele não conseguia fazer amigos?" e "O que havia de errado com ele?" foram duas perguntas que ficaram martelando sua mente em loop, ao mesmo tempo em que a ansiedade e os sentimentos depressivos se alimentavam das suas dúvidas.

***

Já do outro lado da cidade, Diego teve uma noite de sono agitada e incomoda. Se virou tanto na cama que em certo momento, por volta das quatro da manhã (quase o mesmo horário em que Joaquim tinha sua pequena crise depressiva), se levantou e após dar uma espiada em Paulo, seguiu para a sala-cozinha, no intuito de tomar um copo de leite para tentar dormir de novo.

Sorriu ao ver que o menino continuava dormindo tranqüilo, com uma perna parcialmente pendurada para fora da cama e o boneco de pelúcia do Homem-Aranha embaixo do braço. E isso o fez pensar que talvez devesse mesmo levar o plano que vinha se repetindo em sua mente, em prática.

O que aquela mulher lhe disse no cinema ontem ainda não havia sido digerido, na verdade, ficou entalado na sua garganta e Diego sabia que só conseguiria seguir em frente se colocasse um ponto final naquilo!

"Esse tipo de coisa não é permitido aqui, senhor." — a voz irritante e anasalada da moça ainda ecoava em sua memória, junto da expressão de puro asco que ela exibia ao encará-lo.

Lembrou-se de perguntar o que não era permitido, ele beijar o marido? Ao que a moça, após fazer outra careta de repudio respondeu que sim, era isso mesmo. "Este é um local familiar e nós prezamos pelo conforto de todos os nossos clientes" — ela continuou, sem saber que Diego havia aberto a câmera do celular e estava gravando o áudio.

Tinha dito que, parecia que isso não se aplicava a família dele ou de outra forma ela não estaria falando aquilo, ao que a moça esboçou um sorriso de desprezo e complementou com "A minoria deve se dobrar a maioria" e óbvio, quando ele ouviu aquela frase, na hora compreendeu em quem a mulher devia ter votado para presidente no ano anterior.

E foi ali, depois de ouvir, ao falar que queria falar com o gerente do cinema que ela era "a gerente e digo que aqui é um espaço familiar e não permitimos esse tipo de manifestação imoral e vergonhosa", que ele declarou que jamais retornaria aquele shopping, mas ao relembrar a situação, se surpreendeu com o autocontrole que expôs em frente ao marido e o menino, em uma tentativa de não demonstrar sua raiva crescente.

No fim desistiu do leite e tomou uma xícara de café puro, afinal, já tinha acordado mesmo, porque tentar voltar a dormir?

***

— Ei, ta tudo bem? — a voz vinha de longe e parecia abafadas e Joaquim levou alguns segundos para perceber que havia cochilado no sofá. Acordou sentindo a mão firme de Francisco apertando seu ombro de leve e ao olhar para trás, o encontrou exibindo uma expressão preocupada.

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