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Maya Pavlova








Quando abri os olhos naquela madrugada perturbadora, meu choro foi eminente.

Mas logo tratei de secar as lágrimas e fui embora do hospital. Não permiti que ninguém me acompanhasse e cheguei sozinha na mansão vazia do Gianluca. Entrar foi o pior martírio existente na face da terra, olhar o nada e saber que ele não caminharia elegantemente e desceria as escadas para me receber foi doloroso como o espetar de um punhal na artéria pulsante que ligava ao coração, tudo remetia a sua ausência, todo lugar que se olhasse sentiria ele, seu cheiro, mas não ele. Ele não podia voltar.

No nosso quarto, vi nossa cama ainda bagunçada onde dormi alinhado em seu corpo depois daquela noite de luxúria e que tanto ele desaprovou. Lembro-me que tomamos banho de manhãzinha e voltamos para cama, não fizemos nada e como sempre, ele me respeitou e cuidou de mim porque contei que estava com dor de cabeça e enjoada, ficou bem aqui me acalentando e embalado igual como se eu fosse um neném e sequer permitiu que eu tomasse qualquer analgésico. Disse, enquanto alisava-me na coxa sobre seu quadril com sua mão aquecida, firme e palpável que tínhamos que consultar com a doutora o que era aconselhável tomar nesse caso por conta do nosso bebê. Mais tarde, naquele maldito restaurante tive que falar o motivo de tal dor.

Ele, que tinha tanto receio pela vida que nosso filho levaria no meio que vivemos. Ele que não queria filho, era o mais entusiasmado em que o bebê viesse ao mundo perfeitamente saudável.

Caminho, chegando no móvel ao lado da nossa cama, recolho nossa foto bem emoldurada em um porta-retrato bonito. Sorrio, vendo na imagem o nosso sorriso, um para com o outro, reluzir emoções, assim como nosso olhar fixo transmitia tanto cuidado e amor. Eu recordo do dia em que um senhorzinho na Indonésia nos barrou e fez essa foto, captando magicamente o nosso mais puro sentimento.

Eu nunca tive dúvidas do que ele sentia por mim pelo modo como era observada, cuidada e prezada.

Ah se todas mulheres tivessem a honra de conhecer um diabo bondoso como eu conheci.

Ele me libertou da escuridão, me mostrou luz no inferno e quebrou todos os paradigmas de gangster condenável.

Ah se todos os mafiosos fossem como ele, se amassem como ele e não tivessem vergonha de te colocar no mais alto do pedestal.

Ele colocou minha vida antes da sua. A maior loucura que esse doido fez por amor.

Na verdade, a história nunca foi sobre mim e sim sobre ele. Sobre sua misericórdia e compaixão, sobre sua vida e suas renúncias, sobre seu modo de amar e sua entrega. Eu só fui mais uma das almas a qual ele demonstrou clemência e depositou tudo o que tinha.

Seria eu tão digna?

Bobo, para ele, eu era mais do que isso.

Espalmo uma mão no colchão e me deixo escorregar e sentar no chão.

Acaricio seu rosto impecável sobre o vidro do porta-retrato, percebendo o quanto tínhamos pressa de se amar, o quanto era intenso tudo o que fazíamos ou sentíamos e o quanto era leve o seu modo de me ensinar a amar. Ele deu sentido a minha vida.

Quantas mulheres que passou pelo que eu passei não escolheram acabar com tudo, achando que esse basta era o propício porque nada fazia mais sentido? Quantas não se mataram por querer acabar com a dor?

Eu cheguei aqui em sua casa com a alma destruída. Eu não acredito em sorte, mas a cura do meus traumas estava escrito que seria ele.

Ele chegou mansinho, agiu como achou prudente, respeitou-me até onde deu e se eu não avançasse e desse o primeiro passo, certamente ainda estaríamos atirando farpas um no outro.

LUZ NO INFERNO (1)Onde histórias criam vida. Descubra agora