Encolhi o meu corpo sobre a manta leve, os meus olhos ardem em alerta. Luto fervorosamente contra a nostalgia de minha mente.Sou forte, eu sou forte. Faço um mantra mental para não cair na mesma ruína.
Não posso fraquejar, não é a primeira vez. Mas essa possibilidade assusta-me, porque sou tão fraca para isso!
Acho que está na hora de desistir, e seguir, e ter a dignidade necessária para reconhecer que neste momento, entrou na lista de "não posso tudo".
A porta é aberta e sou apanhada em flagrante. Ótimo! Terei de suportar um sermão da noite. Como vou explicar essa situação novamente.
A Graziela, fecha a porta de madeira polida, em seguida a trancando, e olha-me de forma aguçada.
— Em minha defesa, isso não passa de uma ilusão da sua mente!. — defendo-me, sou péssima em mentiras.
— Esperava muito mais de você, qual é a desculpa para hoje? — retira o seu casaco, e pendurou-o ao cabideiro, caminha até o sofá, suspira e senta, me encarando.
Confronto o seu olhar, tentando ler a sua expressão indecifrável. Graziela está impassível, a nossa como ela consegue ser tão indiferente!
Faço cara de paisagem, inclino o meu corpo para frente, cruzando os braços sobre o peito.
— Tem dias que acredito que chegarei a casa, e vou apavorar-me! Ao ver o seu corpo em estado vegetativo. — Inclina-se ao encosto e suspira desiludida.
— Agradeço por sua ilusória preocupação, porém estou muito bem. — desconversou, e desligou a TV.
— Ara pelo amor dos céus... Não venha com essa conversa, de adolescente em pré-descoberta.— Não sei o porquê, mas ela parece estar irritada. — Acredito que não precisamos de intervenção médica, neste caso um psicólogo.
— Graziela não exagere, por favor, era só um filme.— Alinhei o meu corpo. — Em minha defesa, afirmo que não havia nada melhor. — desvio do seu olhar em descrença.
— Melhor parar com a sua falsa indignação, Ara. A sua vida gira entorna aos seguintes acontecimentos: Aos dias de semana você é uma pacata professora particular de crianças. — balançou a cabeça, os seus dedos estalam na minha face, um choque de realidade, eu quis argumentar, mas ela fez sinal de silêncio, para prosseguir com a sua explicação.
— Em finais de semana, você fica encasulada nesta casa, assistindo os mesmo filmes de sempre, chorando como se fosse a primeira vez que os vê, é alarmante. — finge indignação e retira os seus saltos.
— Que cheiro é este?... A nossa Ara, mas que bosta! De novo não.
Levantei-me apressadamente em direção a cozinha, sou seguida por uma Graziela impaciente que resmunga palavras inaudíveis.
Abro o forno nublado por fumaça "que bosta mesmo". Segurando o pano de loiça retirando a tigela de vidro, pouso sobre o balcão de mármore, passo as mãos dissipando o fumo. Graziela destrava as janelas abrindo-as.
Não a vestígios de vegetais, e muito menos da sua coloração. Tudo está queimado, surge uma insatisfação no meu estômago, estou com muita fome!
Encaro Graziela que permanece estática em direção a janela com os braços cruzados ao peito.
O silêncio predominou, os nossos olhares cruzam-se, arqueou a sua sobrancelha em desafio. Suspiro e sento-me numa cadeira, rimos espontaneamente. Não é um riso de alegria, porém de embaraço.
— Se você continuar neste ritmo, não terá outro jeito. — fez "suspense" — A não ser internar você garota. — sorriu e apontou indicador na minha cara.
— Não sei o que deu errado desta vez, segui a receita literalmente. — Estou desiludida, o estado em que está a comida.
— Vou tentar imaginar o que deu errado. — Falou pensativa. — Você esqueceu de cozinhar, enquanto se distraía com o filme deprimente, chorando igual uma romântica incurável. — estapeia a sua testa.
— Em primeiro lugar, o filme é maravilhoso. "Orgulho & Preconceito" é dos melhores romances dos últimos tempos. — defendo-me. — Segundo lugar não chorava, sou madura suficiente para controlar as minhas emoções.
— Por favor, poupe do seu discurso fraudulento. — massageia suas têmporas, e recebo um olhar atravessado. — A sua vida resume-se em assistir filmes de romance dos anos oitenta, fazer receitas fracassadas da "internet" e vegetar em casa.
— Sou inocente, e estou satisfeita com a minha vida. — ignoro o seu sermão diário. — Vou preparar algo para comer, ao invés de ficar aqui ouvindo as suas acusações. — desconversou na maior tranquilidade.
— Não seja uma jovem chata, com atitudes de velhinha em menopausa. — diz e sorri divertida.— Descontrai, arruma um namorado, e perder essa virgindade de uma vez, de tanto guardar vai criar raizes.
Que mal há com a minha vida? Sou muito feliz modéstia parte, não entendo essa cisma de Graziela em tentar retirar-me da minha zona de conforto.
Estou satisfeita, formei-me a um ano, sou professora de crianças lindas e curiosas, que alegram o meu dia laboral.
No auge dos meus vinte três anos, a minha saúde mental está estável, o que acaba sendo muito importante atualmente.
— Eu vou terminar de preparar esses sanduíches, ganho mais, ao invés de ficar aqui ouvindo você falar da minha vida sexual inexistente. — falo apontando aos ingredientes.
— Dispenso, jantei fora com Enrico, esqueceu! — serve um copo com água. — Boa noite Ara, preciso descansar, tenho muita coisa para fazer amanhã. — acena e saiu da cozinha, sem insistir na nossa conversa.
Após lanchar, limpo toda bagunça que estava na cozinha, lavando os pratos e aromatizando todo lugar, pois o cheiro de comida queimada ainda é predominante.
Apago a luz e caminho em direção a sala, desligo a TV, retiro o cobertor do sofá, certifico se a porta está devidamente trancada.
Caminho pelo corredor do acesso aos quartos, passo pelo quarto de Graziela, a porta está entreaberta, a luz apagada. O abajur está aceso possível ver o seu corpo reclino como uma verdadeira dama que é, dormindo sobre a cama.
Adentro ao meu quarto, afastei as cortinas da janela, tenho total acesso à escuridão da noite, com estrelas ao céu.
Deito-me apreciando esta visão incrível, conforta-me sentir esta paz quando estou a contemplar as estrelas.
A minha vida mudou muito nestes últimos anos, de estações de luz, a de escuridão. Graziela é uma das coisas boas que aconteceu. Conhecemos há dois anos, fazia o penúltimo ano de graduação.
Enquanto ela terminava o seu mestrado, a nossa diferença de idade não era muito perceptível, pois ela é de ótima aparência, aos seus vinte e seis anos a sua vida resume-se em festas e viagens.
O fato de ela ser de uma família abastada, influencia bastante no seu modo de vida.
Os seus pais são nativos desta cidade, mas vivem a um bom tempo na capital do país. Não entendo o porquê da sua preferência em viver nesta cidade, se regularmente está de viagens para a capital, e outras para fora do país.
Nunca me explicou detalhadamente, sobre a proveniência da fortuna da sua família. O que me deixa intrigada, porém a minha curiosidade anseia por saber mais.
Uma das estações ruins que acabei vivendo, foi a mudança do meu primo para outro país. Quando aconteceu senti-me muito sozinha, os meus tios odiaram essa ideia.
Nesta época acabei conhecendo a Graziela, que se tornou como uma irmã, fazendo a suas loucuras, tentando envolver-me de alguma forma. Isso foi nos aproximando, ao ponto de convencer-me a morarmos juntas.
Cap ✅✅✅
VOCÊ ESTÁ LENDO
CONTRAVENTOR
RomanceAra Couts Blanche, perdeu os seus pais muito nova. Os seus pais foram assassinados. O culpado não foi encontrado. Foi abrigada a viver com os seus tios. Depois de alguns anos, os seus tios decidem mudar da sua cidade natal, para viver em Nápoles. ...