DOIS

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VIRGÍNIA LAURENT

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VIRGÍNIA LAURENT

  Eu não havia conseguido dormir bem, estava preocupada com Flora e as consequências de suas ações impensadas, ela sempre agia impulsivamente, mas dessa vez havia sido demais. Além de por ela própria em perigo, também havia colocado nossa família e toda a paz das organizações em risco. Se os italianos vissem sua atitude como um afronta, um desrespeito, poderia ser o inicio de uma guerra sangrenta onde todos sofreríamos.

 Antes das três da manhã, eu estava de pé, treinando na sala onde os soldados do meu pai eram testados mensalmente. Se o homem fosse bom, continuaria na sua posição, caso não, seria rebaixado, castigado e além de tudo, receberia um treinamento mais rígido. O que acontecia comigo, era um pouco menos... duro, mas não deixava de ser excessivo. As marcas em meu corpo provavam isso.

— Não é muito cedo para estar acordada? - Ismael, um dos soldados mais antigos da casa perguntou. Ismael Abílio havia me treinado no inicio, mas com o tempo meu pai se tornou mais e mais exigente e eu passei por mestres muito mais cruéis que meu amigo com tapa-olho. Quando era criança amava ouvir como ele tinha perdido o olho direito em uma luta.

— Não conseguir nem fechar os olhos. - respondi enquanto enfaixava minhas mãos, iria treinar socos com o saco de pancadas, ou, pelo menos esse era meu plano inicial. — Quer ver se ainda consegue me derrubar? - brinquei arrancando um sorriso maligno dele.

— Eu sou velho, mas sou mais forte do que aparento, fille¹. Não me subestime. - avisou se pondo em posição de luta e eu fiz o mesmo, não escondendo meu sorriso de satisfação.

— Você também não devia me subestimar, vieil homme². - devolvi no mesmo tom e o ataquei, mas ele desviou do soco, como eu já imaginava.

— Quer me contar o que aconteceu? Deve ter sido algo realmente sério para te fazer ficar acordada.

  Tive que rir de sua afirmação. Ismael me conhecia bem. Eu geralmente sempre estava com sono e cansada dos treinamentos árduos e excessivos. 

— Hoje conheci meu noivo - fiz uma pausa - quer dizer, meu ex noivo. Flora se interessou por ele e ao que parece, eles vão se casar... 

— Está finalmente chateada com sua irmã? - indagou avançando, mas me defendi do seu ataque. — Ela acabou de roubar seu noivo. Eu estaria bravo se fosse você.  

— Estou preocupada.  - o corrigi revirando os olhos. Eu não me importava com aquele homem, o italiano, eu nem mesmo o conhecia. — Preocupada com Flora. Tenho medo do que pode acontecer com Flora se os italianos não gostarem da forma como ela agiu. - ataquei com um chute, mas ele se defendeu, jogando a parte superior do corpo para trás. 

— Não sei se você é boa demais ou tola demais. - ele resmungou. 

— Não quero ouvir outro sermão. - choraminguei e quase levei um golpe no estômago.

— E eu não vou parar de falar até você notar o quanto isso é errado - ele avançou, mas me defendi outra vez, seus golpes estavam ficando gradativamente mais forte — Flora é tratada como uma princesa, enquanto você.... 

— Estou te avisando.... - avancei com mais força dessa vez, atingindo seu ombro. 

— Ela esta dormindo despreocupada agora, enquanto você está aqui embaixo por que não consegue dormir preocupada com ela. Que estúpido da sua parte, Virgínia. Ainda não notou que para essa família você é só um item descartável? Iriam te vender para italianos, mas agora que sua irmãzinha quer o sangue ruim, você foi jogada para escanteio. Até quando vai aceitar ser tratada assim quando você merece o mundo?

 Suas palavras me atingiram em cheio e eu fui golpeada em seguida, indo de encontro ao chão, desestabilizada em todos os sentidos. 

— Você trapaceou! - exclamei irritada, ainda deitada com as costas no chão duro e frio. 

— Precisa aprender a controlar suas emoções, Virgínia - ele estendeu a mão, me ajudando a levantar. — Mas pense no que eu disse, não menti em nenhuma das minhas palavras. 

— Eu não me importo com suas palavras - puxei minha mão — Não preciso da sua pena, nem da de ninguém. 

— Eu não tenho pena de você. - ele disse sincero — Eu te vejo como minha própria neta, mesmo que eu não devesse, levando em consideração que eu sou apenas um empregado, mas eu te vejo dessa forma. 

 Abaixei o olhar. Ismael também era importante pra mim. Ele esteve mais presente na minha vida do que minha própria família. Ele cuidou dos meus machucados, me ensinou a como andar de bicicleta e como cortar a garganta de alguém sem fazer barulho, embora eu gostasse do som que o ato produzia.

— E nenhum avô... - ele continuou — Quer ver a neta sendo humilhada dessa forma. 

— Quer que eu brigue com minha irmã por um homem? - indaguei desacreditada. Todo aquele sermão era por causa de um casamento que nem mesmo era da minha vontade. Eu não me importava se Flora se tornasse sua esposa. — De um italiano, ainda por cima?

— Não é um simples homem, Virginia. - ele tocou meu cabelo com carinho, como fazia quando eu era só uma menina inocente — É um sobrenome de peso, uma posição que muitos almejam, um poder maior do que tudo que pode imaginar... 

 Por um instante, me senti envolvida por suas palavras. Ismael tinha razão, não era um simples homem, mas não valia a pena pra mim. Se Flora o queria, eu não ia ser egoísta e toma-lo dela, ou melhor, mesmo se eu tentasse fazer isso, eu não conseguiria. Perto de Flora, eu sempre me seria invisível. 

— Eu estou indo para a sala de tiro ao alvo. - avisei antes de dar as costas e me afastar rapidamente dele e suas ideias errantes. 

— Lembre-se do que eu tô te falando, Virgínia! - ele exclamou já quando eu estava distante. — Essa pode ser sua única oportunidade de mudar de vida.

Apenas o ignorei e segui para a outra sala.

***

— Virgínia? - senti meu corpo sendo chacoalhado e abri os olhos confusa. Eu estava deitada em um banco do jardim. Eu apenas deitei e apaguei depois de treinar por horas seguidas. — Vivi! - Flora gritou e eu voltei a mim de uma vez.

— O quê? - eu resmunguei coçando os olhos quando ela me soltou.

— Recebemos um convite dos Caccini. Vamos comprar vestidos novos!

— Convite....? Do que esta falando?

— Uma festa do chá entre as duas famílias, precisamos de vestidos novos! Mamãe disse que precisamos ir agora, então vamos.

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.

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— Traduções: 

¹ - menina. 

² - velhote. 

À PROVA DE BALASOnde histórias criam vida. Descubra agora