CINQUENTA E NOVE

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VIRGÍNIA

Ângelo me olhava preocupado, e eu estava ainda mais preocupada com o que tinha que contar a ele. Como eu ia dizer isso a ele? Como eu ia contar que sua mãe tinha uma doença sem cura? Como? 

— Virginia, por favor, amor, o que aconteceu? - ele agora segurava meu rosto entre as duas mãos. 

— É a sua mãe, Ângelo. - sussurrei, tentando controlar o choro. 

— O que aconteceu? Vocês duas brigaram? - Ângelo desceu as mãos pelos meus ombros, em um gesto de carinho, até alcançar minhas mãos e entrelaçar nossos dedos. 

Engoli seco, olhando em seus olhos... dizem que tirar o curativo de uma vez é menos doloroso, certo? Bom, espero que sim. 

— Acsia tem Alzheimer.

Ângelo me encarou em silêncio por instantes que pareciam ser horas. Ele abriu a boca e fechou várias vezes e seus olhos encheram-se de lagrimas. 

— Hoje eu saí do nosso quarto e a encontrei no corredor... em um dos seus episódios. Ela não sabia quem eu era e estava perguntando sobre o marido e o filho pequeno - eu solucei - Eu... eu ameacei Jean e ele contou que não é a primeira vez que acontece e que Acsia não permitiu que ele contasse a você.

Ângelo continuava em silêncio eu não sabia mais o que falar.

— Tudo bem... - ele se afastou, soltando minhas mãos e engoliu seco — Tudo bem, não é tão ruim certo? Vamos encontrar um bom médico para acompanhá-la, o melhor deles, se for preciso iremos procurar um especialista renomado do exterior, eu tenho muitos conhecidos e isso não vai ser um problema, e dinheiro também não é problema, porra, está tudo bem... tudo bem... - ele continuou a falar e falar, e a cada palavra, o desespero em sua voz ficava palpável.

Ângelo passou as mãos pelos cabelos, bagunçado os fios dourados de forma impaciente e soltou o que pareceu ser um grunhido de agonia, virando-se.

— Ângelo... - eu o abracei, passando meus braços por seu tronco, descansando minha em suas costas. —Ela... ela não quer que você saiba, Ângelo. Você sabe como sua mãe é. Ela não quer parecer fraca e vulnerável... eu não sei se falarmos com ela sobre isso e força-la a iniciar tratamento, vai melhorar a situação dela.

Ele respirou fundo.

— E o que você sugere, Virgínia? Que eu deixe ela se deteriorar em silêncio? Ela é minha mãe! Antes de você chegar na minha vida ela era a única pessoa que eu amava!

— Eu não quero que ela sofra mais... - sussurrei. — Só que é você quem decide o que é melhor, ela é sua mãe, mas, você precisa se acalmar antes de fazer qualquer coisa, antes de tomar qualquer decisão. Isso não é sobre o que você ou eu queremos, e sim sobre o que é melhor para Acsia. 

— Tem razão... - ele respondeu após alguns instantes e finalmente se virou pra mim — Como eu nunca percebi antes? 

— Sua mãe é astuta - eu toquei seu rosto, secando as suas lagrimas que desciam de forma silenciosas e esmagadora — Desde o momento em que ela decidiu que nenhum de nós ia saber, ela se esforçou para que fosse assim. 

— Com ajuda de Jean... - sua voz se tornou rouca e seu olhar quase assassino — Eu vou mata-lo. 

— Se te serve de consolo, eu dei um soco nele mais cedo. 

Ângelo soltou uma risada, mas que se tornou um choro desesperado quando o abracei. 

— Nós vamos resolver isso, vai ficar tudo bem. - sussurrei. 

— Obrigado por me contar - ele sussurrou, o rosto enfiado em meu pescoço, como um menino buscando por consolo e meu coração rachou quando me dei conta disso. 

— Você tem o direito de saber mais do que qualquer pessoa. - respondi baixinho, sem ter certeza do que fazer a seguir. — Sobre o que Omar queria conversar tão cedo? Ele quase nunca vem em nossa casa... - mudei de assunto. 

Ângelo suspirou. 

— Por um momento me esqueci dessa porra - ele se afastou de mim novamente, parecendo mais calmo — Ele acha que Antônia está traindo ele. 

— Ele suspeita de alguém? - perguntei cautelosa, estranhamento, senti medo de que Raul estivesse em uma encrenca. 

— Não em particular - outro suspiro de Ângelo — O desgraçado veio aqui essa hora da manhã pra pedir o conselho de um "marido" e não do "Consigliere" - ele bufou — Sinceramente, ele poderia ter ido atrás de qualquer outro homem, ou pelo menos esperar uma hora decente para vir perturbar a minha paz depois de toda a merda que aconteceu. 

Soltei uma risada, ainda sem ter me acostumado totalmente com a irreverência do meu marido quando o assunto era nosso Capo. Ele não o respeitava, pelo menos não como eu era acostumada a ver, não era devotado a Omar e muito menos tinha medo dele, e eu gostaria muito de entender o motivo. 

— E o que disse a ele? 

— Que, Antônia tinha motivos para trair ele - Ângelo deu de ombros — Ele é um marido de merda, diga-se de passagem e também que, nenhum conselho ia resolver os anos de ódio reprimido que eles tem um pelo outro.

— Ângelo... 

— Eu disse de uma forma educada, claro. - ele sorriu e eu revirei os olhos. — Pelo menos da forma mais educada que se pode falar algo assim. 

— Se Raul não fosse seu melhor amigo, mentiria para seu Capo? - perguntei de forma cautelosa.  

— Eu não digo a Omar sobre isso simplesmente para evitar uma carnificina... - Ângelo estendeu as mãos e eu coloquei as minhas sobre a dele, entrelaçando nossos dedos novamente — Para evitar uma dúzia de problemas diplomáticos, o cara é completamente descontrolado e não vai só acabar com a vida da esposa e do amante dela, mas quem o irritar enquanto isso. E não vamos continuar controlando toda a Sicília se nosso Capo for um maníaco por sangue totalmente fora da casinha. 

— Acho que estou entendendo... 

Ele sorriu pra mim de forma quase maligna antes de continuar. 

— O trabalho de um Consigliere não se limita a aconselhar o manda chuva, nós mantemos tudo em ordem, somos a engrenagem que faz toda a maquina se mover. 

— Você o controla... 

— Não que ele saiba. - ele soltou uma risada anasalada. — Nem ele, nem os que vieram antes dele. Nossa família comanda tudo há gerações... e eu estou me esforçando para garantir que nosso legado continue intacto por muitos anos. 

— Vocês poderiam se tornar uma família de Capos, você poderia se tornar o Capo... por que não fazer isso? Por que não tomar o controle de tudo? 

— Eu me fiz essa mesma pergunta por anos, até que, enquanto eu aprendia com minha mãe, eu entendi que, nossa posição é importante demais. 

Fiquei em silêncio, tentando organizar todas as informações, que estranhamento, faziam sentido. 

— O que foi, anjo? - Ângelo apertou meus dedos me olhando divertido, todo o peso da conversa ficando para trás — Você quer ser a esposa de um Capo? - ele me agarrou pela cintura, me puxando para perto e eu soltei uma risada surpresa — Ser a senhora Consigliere não é bom o bastante pra você? 

Coloquei meus braços ao redor do seu pescoço e suspirei. 

— Eu não sou uma garota ambiciosa, não se preocupe. 

Ângelo riu alto, e eu escondi meu rosto em seu pescoço, deixando que o momento de descontração levasse para longe todos os problemas, mesmo que por alguns instantes. 


À PROVA DE BALASOnde histórias criam vida. Descubra agora