VIRGÍNIA
— Mãe... - eu me virei mesmo relutante.
— Estou feliz que tenha a decência de não me chamar pelo nome como fez com o seu pai - ela me lançou um olhar acusador e eu engoli seco, toda a minha coragem de mais cedo havia sumido. Minha mãe tinha esse poder sobre mim. — Não foi assim que foi ensinada, Virgínia - ela sentou-se em uma cadeira que parecia ter sido colocada ali pra ela e cruzou as pernas de forma elegante. — Não precisava de todo aquele escândalo - continuei calada — Você fez a coisa certa, mesmo que tenha sido da forma errada.
— Os fins justificam os meios - sussurrei.
— Se tivesse conversado comigo antes, eu teria falado com seu pai. Eu te falei que não queria que Flora se casasse com o italiano.
— Você não fez nada sobre isso, eu mesma tive que fazer.
— Eu teria feito se você tivesse me pedido - rebateu.
— Mesmo? - eu ri anasalado — Eu tenho certeza que não. Nenhum de vocês é capaz de contrariar Flora e se você está aqui para tentar me convencer a desistir do casamento, é perca de tempo.
— Pare de ser teimosa! - ela gritou — Eu já disse que você é a pessoa com quem vai se casar com Ângelo. Seu pai está furioso e queria casar Flora com ele por sua cena de mais cedo, mas, eu o convenci de que é melhor que você se case. Os Caccini já foram informados e o casamento vai acontecer em duas semanas.
— O que...?!
— É o tempo necessário para terminar os preparativos do casamento - ela levantou-se da cadeira — Espero que saiba que agora, não tem como voltar atrás, Virgínia. O casamento vai acontecer, mesmo que você mude de ideia e faça escândalos como o de hoje.
— Eu vou me casar - afirmei mais pra mim do que para minha mãe.
— É bom que esteja tão segura - ela se aproximou, ficando a poucos centímetros de mim. Éramos praticamente da mesma altura, o que permitiu que ela olhasse nos meus olhos — Agora, me diga, o que aconteceu para essa mudança drástica? O que Ângelo fez?
Desviei o olhar tentando não parecer tão culpada.
— Um tapa pode ferir bastante o ego de alguém.
— Você está acostumada a apanhar, não me venha com essa história.
— Eu não quero mais ser uma agregada - respondi — Eu nunca vou fazer parte de verdade dessa família e eu nem sei o motivo disso... Os Caccini me querem, eu não vou ser um peso morto ou tratada como inferior.
— Não pode ter certeza disso.
Eu ri. Ela nem mesmo negava que eu não significava nada para eles.
— Acsia Caccini, nessas poucas semanas, se preocupou e cuidou mais de mim do que você em toda a minha vida - cuspi as palavras — Talvez ir com eles não seja um sonho realizado, mas com certeza vai ser melhor do que continuar aqui.
— Espero que esteja certa, filha. - ela finalmente se afastou — Sobre Flora...
— Alguma vez já conversamos sem minha irmã estar envolvida? - eu não consegui esconder minha frustração — Porque ela é melhor que eu? Porque ela é mais importante pra vocês do que eu? O que ela tem que eu nã-
— Sobre Flora - minha mãe me cortou — Ela vai para a casa da Fazenda até que o casamento aconteça, como era de se esperar, ela não recebeu muito bem a notícia. Ela estando lá, vamos poder organizar tudo com mais calma.
— O que custa me dizer a verdade? Não acha que eu já sofri demais? - insisti.
— Vá tomar um banho, você está imunda - ela me olhou com desgosto — Acsia e Ângelo vão estar no jantar, suba e se prepare. Eu separei uma roupa pra você, dê um jeito no seu rosto, use base para esconder o vermelho.
— Eu não sou Flora - disse entre dentes.
— Não se atrase para o jantar, seu noivo deve estar ansioso por isso.
Ela saiu da sala de treinamento, me deixando sozinha e depois de pensar seriamente eu não comparecer ao jantar, eu decidi ir me arrumar para começar o show.
Usando as portas dos fundos para não acabar esbarrando em Flora ou meu pai, eu me esgueirei até meu quarto e me surpreendi ao ver um novo envelope esperando por mim no chão perto da porta.
Engoli seco e o peguei, mas não era de Ângelo. A letra cursiva que estava trêmula e cheia de borrões, era de Flora.
"Eu escrevendo para me despedir momentaneamente. Papai me disse que eu estou indo visitar a casa da fazenda, mas, eu sei que estão tentando se livrar de mim. Você está tentando se livrar de mim para ficar com o que é meu, mas, mesmo se eu for mandada para o inferno, isso não vai acontecer. Você não vai se casar com Ângelo, eu vou fazer de tudo para impedir isso. Vocês não vão ser felizes juntos. Eu juro que estou fazendo isso por nós, mesmo que você não entenda e esteja agindo como uma irmã ruim e egoísta. Desista desse casamento e diga para me trazerem de volta da fazenda em breve, ou, você não vai mais ter uma irmã e sim uma inimiga.
Beijos, Flora Laurent ".
Li e reli a carta, sem conseguir esboçar uma reação. Flora estava enlouquecendo. Era a única explicação. Sua fascinação por Ângelo estava indo longe demais. Eu pensei que era apenas um capricho, mas estava começando a me preocupar com essa obsessão sem cabimento.
Ela estava longe e segura, eu podia conviver com seu odio, o importante era que ela continuasse viva. Ela se apaixonaria de novo e se desse sorte, por alguém que não fosse tão problemático, ou que pelo menos a quisesse... O que não ia ser um problema, Flora era linda e seria uma ótima esposa, quando fosse um pouco mais velha, de preferência.
— Uau.
Me aproximei da cama notando o vestido que estava lá, esperando por mim, como minha mãe disse. Era... lindo. Não algo que ela ou Flora usariam, mas parecia comigo. Algo que eu usaria.
Toquei o tecido pensando que, talvez o jantar, não fosse tão ruim assim...
VOCÊ ESTÁ LENDO
À PROVA DE BALAS
Romance"Proteja seu Coração" Virgínia Caccini nem sempre foi a mulher culta que podia correr em seus scarpins em meio a um tiroteio. Virgínia - antes - Laurent, não foi criada para ser uma esposa troféu. Durante toda a sua vida, ela treinou para se torna...