KYRAZ
Papai tinha um amigo de infância, o Sr. Ferrat, a quem chamávamos de tio, que era seu sócio nos negócios.
Eles viviam juntos, tanto que sua esposa era também a melhor amiga de mamãe. Morávamos no mesmo bairro e seus filhos, Ozan e Yesin cresceram comigo e minha irmã, Yildiz.
Juntos, construíram uma rede de confeitarias, com espaço para degustar chás, cafés e doces turcos, que tia Ayhan e mamãe desenvolviam. Tudo tinha o dedo doce e talentoso delas.Como nossas famílias seguiam as tradições turcas, eu fui prometida ao nascer para Ozan, que era 10 anos mais velho do que eu.
Minha irmã mais velha foi prometida a outro garoto, mas ele faleceu num acidente aos 15 anos e ela se livrou dessa sina.
Apesar de muito romântica, aceitei meu destino e começamos a namorar oficialmente na minha adolescência, eu tinha uns 17 anos. Era algo natural, já que sempre convivi com ele, desde muito pequena, pois éramos como uma grande família, vivíamos juntos e misturados. Minha irmã e Yesin, eram da mesma idade e muito amigas. Yesin fez administração e minha irmã arquitetura. Elas se formaram 3 anos antes de mim, pois eram mais velhas.
Namoramos por pouco mais de 3 anos, sempre muito vigiados, até ele sair de casa, para morar com um amigo. Eles tinham uma banda de música pop e rock e sempre tínhamos programa nos finais de semana, por conta das apresentações. Eu e minha amiga Zeynep, que era apaixonada pelo amigo dele, o Keren, frequentávamos o apartamento deles, assim como Yesin e Yildiz.
O Ozan é da minha altura, magro e, apesar de não ser um modelo de beleza, é um doce de criatura, sempre me tratou muito bem, com muito respeito e éramos muito amigos. Como ele era o mais velho, nos ensinava as coisas e todos tínhamos muita admiração por ele, especialmente eu. Ele era um modelo para mim, pois sempre foi muito sério e compenetrado, cuidadoso e organizado com seu trabalho e suas coisas de uma maneira geral, o tipo certinho. Ele me ajudava a organizar as coisas da faculdade, colaborava nos meus trabalhos, éramos muito parceiros. Eu sou um pouco atrapalhada, às vezes, mas ele me colocava no eixo.
Muitas vezes, eu ia ao apartamento deles e assistíamos filmes, jogávamos algo, ou eles tocavam, enquanto ficávamos cantando, até tarde. Eu gosto muito de cantar e ele adorava minha voz, tanto que participei de muitos dos seus trabalhos, como voz principal ou backing vocal. Estávamos sempre os 3 juntos, eu, Ozan e Keren. Zeynep também era uma presença constante.
Eu estava no último semestre da faculdade, e ele já era formado em artes cênicas e música, a contragosto de nossos pais, que queriam que ele participasse dos negócios. Porém, ele logo conseguiu trabalhar em sua área, como produtor musical e tinha sua banda, desde a adolescência, então eles o deixaram seguir sua vocação.
Nossas famílias decidiram, que o nosso casamento deveria ser o mais rápido possível, antes que acontecesse algo, já que vivíamos juntos. Então, ficou estabelecido, que casaríamos assim que eu concluísse o meu curso.Talvez eu não soubesse discernir meus sentimentos por ele, justamente por essa convivência intensa.
No fundo, eu queria outras coisas para mim e, casar não era uma prioridade minha, mas como ele é 10 anos mais velho que eu, concordei com a proposta. Afinal, poderíamos evitar filhos no começo, para que eu pudesse realizar meus sonhos profissionais.
Claro, que como uma romântica incurável, eu desejava algo muito especial, que me tirasse do chão... Eu acreditava, que quando tivéssemos mais intimidade, as coisas esquentassem. Por incrível que pareça, como cresci sabendo que me casaria com ele, achava natural, que meus sentimentos por ele fossem tão "calmos", pois nunca houve paixão e eu, jamais questionei essa situação, imposta por nossos pais. Até que eu me decepcionei, profundamente, com ele...Há quase quatro anos atrás...
No último ano do curso, eu tinha acabado de completar 21 anos, e optei por frequentar a faculdade no período da noite, para conseguir fazer um estágio remunerado durante o dia, que eu havia conseguido numa empresa de biotecnologia. Eu gosto muito da área de preservação de espécies e meio ambiente, mas nessa fase, eu precisava de experiências e, tinha sede de conhecimento.
No final do último semestre, as matérias foram finalizando, deixando buracos na grade de aulas, reduzindo meu tempo de permanência na faculdade. Certa noite, eu voltei mais cedo da faculdade e decidi passar na casa de Ozan e Keren, para fazer uma surpresa. Eu tinha a chave da entrada de serviço e, geralmente, avisava que estava chegando, ou tocava a campainha. Mas neste dia, entrei sorrateiramente, querendo surpreendê-los, ou assusta-los, fazer uma brincadeira... No entanto, quem foi surpreendida fui eu, que tive uma das maiores decepções da minha vida.
Assim que entrei na sala, eu ouvi a voz de Ozan sôfrega dizendo "eu te amo muito" e congelei, pensando: Será que ele tem outra? Ele nunca falou assim para mim... Mas respirei fundo e continuei em direção aos gemidos... Foi quando entrei no seu quarto e os encontrei nus, abraçados na cama... transando?
Jamais passou pela minha cabeça, algo assim! Eu parei diante da cena e não conseguia me mexer...
Quando eles se deram conta, vestiram-se rapidamente, Keren sumiu para o seu quarto e Ozan me conteve na porta, me impedindo de sair.
O: Não é o que você está pensando. - Eu dei risada incrédula, pois não conseguia falar. - Por favor, não conte a ninguém, você sabe como são as coisas aqui no nosso país. Você não pode desistir do nosso casamento e... - segurando meus braços com força, me sacudindo. Eu o encarei, com os olhos marejados...
K: Como assim? - eu o interrompi. - Além da traição, quer que eu case com você e estrague a minha vida, para esconder a sua mentira?! Jamais! - disse indignada. Ele respirou fundo, me soltando, passou as mãos pelos cabelos, pensou um pouco e só então disse:
O: Tudo bem! Podemos arranjar uma desculpa para não nos casarmos, mas não diga a verdade... Por favor?! - Implorou. Eu engoli em seco, minha respiração estava ofegante e meu coração disparado.
K: Sabe o que eu não me conformo? - Ele negou com a cabeça. - Que talvez, eu jamais viesse a saber, sobre sua orientação sexual, se eu não os tivesse pego de surpresa. Algum dia você pretendia me contar? - Ele ficou me olhando, sem ação. - Sempre achei que fôssemos amigos, antes de qualquer coisa! Se eu não descobrisse, viveríamos numa relação infeliz, talvez comigo me culpando, por algo completamente fora do meu controle... Não é muito egoísmo de sua parte? - Respirei fundo, tentando conter a voz embargada e sorrindo de lado. - Por isso, que você jamais tentou nada, ou me beijou de forma mais quente! - Ri nervosa. - E eu achando que era por respeito... Eu te odeio! - Fui saindo e ele me segurou, implorando com o olhar. - Vou dizer que te peguei com outra, pode ser?! E não me peça mais nada... Adeus!Fui para casa desnorteada, não sabia o que fazer... Pensei em contar para Zeynep, mas achei melhor esfriar a cabeça primeiro.
Cheguei em casa, meus pais me encheram de perguntas ao perceberem meus olhos inchados de chorar e eu só consegui dizer:
K: Está tudo acabado entre eu e Ozan. Não tem volta. - Eles ficaram atônitos, sem entender nada. - Ele me traiu e eu o vi, com meus próprios olhos, na cama...
Fui para o meu quarto e, não sabia se chorava, ou agradecia por ter descoberto antes do casamento. Depois, seria muito mais traumático. E se ele nunca saísse do armário? Eu seria uma mulher infeliz, me sentiria rejeitada e insatisfeita sexualmente? Talvez ainda me culpasse, por não ser desejável...
Consegui falar para Zeynep, quase um mês depois. Eu precisava acabar com a paixonite dela pelo Keren.A nossa sociedade é muito machista, onde o homem pode tudo. Várias vezes, mamãe veio falar comigo, tentando me fazer voltar atrás...
E: Filha, não tem volta mesmo? Ozan está tão triste, até emagreceu! Sabe, os homens têm necessidades e, como você não poderia satisfazê-las, ele teve de procurar fora. O importante é que isso não aconteça, após o casamento!
Eu não acreditava, mas deixava passar, mantendo minha decisão. Depois de muita insistência, eu acabei me abrindo com ela. A minha festa de formatura seria em alguns dias, e ela continuava insistindo no retorno do noivado! Provavelmente, pressionada por papai e os pais dele.
K: Mamãe, eu preciso que você me prometa, que você não falará para o papai e nem mesmo para a tia Ayhan e o tio Ferrat, sobre o que eu vou te contar. Promete? - ela respirou fundo.
E: Você está me assustando... - Ela me encarou. - Mas, eu prometo, é claro.
K: Mamãe... eu não peguei o Ozan com outra mulher... - Ela sorriu, cheia de esperança e eu respirei fundo. - Eu o peguei na cama com o Keren...
E: O que?! - Disse incrédula com a mão no peito. - Tem certeza, filha? - Eu assenti, encarando-a.
K: Você compreende agora, porquê não tem mais volta?! - Ela assentiu e me abraçou.
E: Sinto muito filha! - suspirou. - Vou tentar tirar isso da cabeça do seu pai. Nossa, se os pais deles descobrirem, será uma tragédia...
K: Tudo bem mamãe. Só não conte essa parte ao papai. Eu prometi ao Ozan... Apesar do choque, agradeço por ter descoberto antes do casamento! Senão, que vida eu teria?!
E: Fique tranquila! Muita nobreza sua não falar a verdade e aguentar isso sozinha! - Ela me abraçou.A formatura foi um sucesso, todos foram convidados, mas eu mal olhei para a cara do Ozan. Eu sempre tive uma fascinação por ele, ele era um modelo para nós, mas eu me sentia tão decepcionada, por ele me enganar e não se assumir...
Nossos pais fizeram de tudo, para eu dançar com ele e eu acabei aceitando... Durante a dança, após um silêncio de morte, ele finalmente tomou coragem e falou no meu ouvido.
O: Muito obrigada, Kyraz! Sei que talvez, você nunca me perdoe... Também não sei, se algum dia terei coragem de me assumir, mas quero que saiba, que você sempre será minha irmãzinha querida, e poderá contar comigo. Eu sempre estarei aqui, para você. - Eu o abracei, olhei em seus olhos, beijei sua bochecha e sai, sem olhar para trás.Tia Ayhan faleceu de enfarto fulminante, logo após minha formatura. Ficamos muito tristes, especialmente o tio Ferrat... Eles eram um casal bonito e apaixonado, como meus pais.
Graças à Allah, que eu não contei a verdade sobre a minha separação de Ozan, caso contrário me culparia, por sua morte.
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Caminhos Cruzados
RomanceSerá que após uma grande decepção, atrelada à imposições sociais, o amor pode prevalecer? Quais os desígnios para cada um? A vida pode nos mostrar novos caminhos, com outras encruzilhadas? Nós devemos correr atrás? Ou será que nossos caminhos já est...