O Convite

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O Hart não disse nada sobre o meu nome na manhã seguinte, provavelmente, porque ficou distraído com a caixa nas minhas mãos.

A tal caixa que eu havia finalmente decidido me livrar. Eu tinha separado só os livros e deixado os bilhetes em casa, porque eu achei que não podia simplesmente jogar eles no lixo, parecia ordinário demais fazer isso com papeizinhos que fizeram parte de toda uma história.

- O que tem aí?- Ele perguntou quando entrei no carro.

- Livros velhos, eu queria deixar no sebo quando a gente voltasse. Pode ser?- Pedi.

- A gente pode ir agora mesmo, ainda temos tempo.- Ele sugeriu estendendo o braço pra mim porque estava usando o meu elástico de cabelo no pulso.

Eu o puxei e coloquei no meu próprio pulso:

- Não se importa de chegar atrasado?- Questionei.

Ele me respondeu com uma expressão que dizia:

"O que você acha?"

Desviamos um pouco do caminho pra chegarmos numa livraria que também era um sebo, que eu conhecia já a um tempo. Era um estabelecimento pequeno e tinha um cheiro de livro velho que eu até gostava.

Os filhos dos donos geralmente atendiam, e dependendo de qual filho fosse, o atendimento era bem antipático. Hoje era a Anne que estava aqui. Ela era legal, apesar de fazer tudo de má vontade.

- Tem muita coisa aqui.- Ela comentou olhando a caixa, mas o tom era parecido com reclamação.

O Finn estava lá perto da entrada folheando algumas coisas. Enquanto eu tentava negociar.

- Acho que eu posso fechar uns 35 dólares em tudo.- Ela disse.

- Anne, nós duas sabemos que eu não vou aceitar, os 35. - Eu comecei.- Daí eu vou sugerir os 60 dólares, e você vai dizer que é demais. Mas eu vou ser bem clara que eu não saio daqui por menos de 50.

- É sempre fácil fazer negócio com você, June.- Ela riu e começou a anotar o meu crédito no canhoto.- Tem umas paradas bem underground aqui, não sabia que fazia o seu estilo.

- Não faz...por isso que eu trouxe.- Eu disse.

- Ah...deixa eu ver.- Finn se aproximou da caixa aberta.

Tentei afastá-lo mas não adiantou.

- Caramba, Laranja Mecânica...Metrópolis...não faz o seu estilo mesmo.- Ele comentou folheando "Blade Runner: Androides Sonham com Ovelhas Elétricas?".

E foi quando um pedaço de papel caiu aberto no chão e o meu coração deu um triplo carpado. Pelos longos segundos em que o Finn se abaixou pra pegar, eu pedi pro universo que não fosse nada demais.

- "Esse é tão perturbador que me deu dor de cabeça, você deve gostar"- Ele leu em voz alta.- Você quem deu esse livro?

E pensar que ele reconheceu a minha letra. Que merda.

Comecei a rir de nervosa sem motivo aparente:

- É, pois é.- Eu respondi enquanto folheava o resto dos livros pra conferir se havia outro daqueles.

Finn parecia estar pensando bem na situação, como se encaixasse as peças:

- Então...alguém te devolveu...todos esses?- Ele apontou pra caixa.

Eu não queria falar sobre isso logo agora...

- É, cara. Me devolveram todos esses livros e agora eu tô vendendo de volta. É só isso.- Eu coloquei tudo de volta na caixa.- Podemos ir agora?

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