Capítulo 8

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Passamos todo o resto do caminho abaixo rindo muito mais em uma noite juntos do que em um século separados. Subimos pelas fendas da estrutura vulcânica, que forma uma espécie de escada, para chegar ao topo e descer mais degraus até o Fosso, um abismo mais conhecido como casa para ele.

Diversos túneis de trabalho se formam a medida em que descemos mais e o vulcão se alarga, mas ali, no centro sob a luz escura do céu que mais parece um oceano profundo, está o local onde todos podem se encontrar no fim do dia e descansar. Comer, confraternizar, gargalhar, dançar, cantar, tudo isso e mais um pouco. Uma fração da cidade dentro do vulcão.

— Vejam só o espírito peçonhento que está entre nós. — A moça de fios volumosos e cacheados se levanta, vindo na nossa direção.

A blusa curta que usa é rente ao seu corpo atlético, branca, com faixas que se cruzam acima do umbigo, abaixo do tecido que cobre dos seios para cima inteiramente. As calças largas em tecido marrom claro que usa e as botas de um couro avermelhado indicam que ela terminou o expediente e veio direito para cá, ainda assim, a irmã de Alfard está impecável, suas roupas não possuem sequer uma mancha de sujeira ou suor apesar do trabalho pesado. E o seu odor doce não condiz com seu esforço diário.

— Tih. — Faz uma breve reverência, justamente para irritá-la.

— Ensine modos ao seu amigo, acho que ele não aprendeu. — Tihara desvia de seu irmão e me cumprimenta, se colocando a minha frente ao fazer o mesmo gesto que Alfard, mas para mim.

Tão semelhantes.

Os cachos volumosos que aparentam até ter vida própria se afastaram de seu rosto entre uma das tréguas do vento, que raramente visita o fundo do Fosso. Passei tanto tempo atarefada na Morada do Fogo, afastada, que fui capaz de me esquecer de seu rosto.

Os traços bem definidos, o nariz redondo e pequeno, o rosto oval, os lábios carnudos e amarronzados como sua pele, o tom chocolate de seu cabelo, os olhos igualmente castanhos, as sobrancelhas que dão ao seu rosto um aspecto inocente por serem finas, mesmo que consideravelmente longas, os cílios extensos, braços e coxas musculosas, o abdômen bem definido e a estatura pequena, menor do que a minha.

Perfurações em torno de sua orelha esquerda em joias de cobre, e uma argola delicada de ouro no nariz. Uma guerreira, presa no corpo de uma operária bastarda.

Tihara foi deixada na beira do Fosso, e seus progenitores não se deram ao trabalho de colocarem a menina em um cesto, ou enrolar um manto em volta de seu corpo frágil.
Os senhores do Fosso a acolheram e apresentaram o bebê como seu quando Karak não suportaria ser exposta a vergonha de um ventre capaz de dar a luz apenas uma vez.
Apenas Alfard sabe a verdade afinal, foi ele quem a encontrou ainda garoto, faminta, clamando por um lar.

— Se eu não aprendi, então você menos ainda. — Sua voz provocativa sai por entre os lábios de maneira venenosa, como ele gosta de fazer quando realmente quer se divertir. É assim que nos desafia, mas principalmente a seus inimigos.

Tihara virou os olhos e se endireitou. — A princesa continua belíssima, como sempre. — Se direciona a mim.

— Vejo que posso dizer o mesmo sobre você. — Dou um passo a frente, me aproximando de maneira desafiadora — Mas será que ainda sabe lutar? — Digo na menção de um sussurro.

Um sorriso malicioso se formou nos lábios da guerreira e ela cerrou os olhos. — Por que não descobre?

— Seria um prazer. — Respondi com a mesma malícia nos olhos.

Nós duas continuamos a nos encarar até que não aguentamos e caímos aos risos.
Tihara e eu não somos tão próximas quanto Alfard e eu, mas certamente não abriria mão de tê-la em minha vida nem pela quantia mais alta de ouro.

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