Capítulo 26

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Malak prendeu meus pulsos em pequenas circunferências feitas de gelo com espinhos afiados por toda a sua estrutura, perdia uma parcela generosa do sangue do meu corpo toda vez que me mexia, mesmo se eu tentasse ao menos respirar.
Eu sustentei bem o meu próprio peso nas primeiras vinte e quatro horas, os quilos saudáveis de uma guerreira do exército de Vênetos, cotada para ser comandante, mas após esse período cada mínima fibra em meus músculos gritava a todo segundo dentro de mim, e não parava. O príncipe cruel me prendeu de maneira que meus pés descalços não pudessem tocar os chãos, e ficassem submetidos a dormência constante em meio ao frio de rachar os pulmões, cortante às narinas.

Vez ou outra um soldado do exército passava por mim e molhava meu vestido com a água mais gelada que poderia ter encontrado à fora, não esperavam o tecido secar para chegar com outro balde de água nas mãos. Em meio a essa, haviam diversos cacos de gelo, e meu estômago se embrulha um pouco mais que normalmente ao me lembrar de quem esses pedaços poderiam ser.

Em todas as visitas diárias de Malak, ele fez questão de conjurar o mesmo bastão de gelo para não permitir que o ferimento se curasse. Cada vez mais frio que o anterior, capaz de congelar a minha alma.
Sangrei litros e mais litros, pelos diversos ferimentos profundos e gélidos em meus pulsos, pelo ferimento no abdômen que segue roubando minhas forças, minha vitalidade, o meu sentido, me fazendo sentir como o ser mais fraco que já existiu.

Apenas pensar levava minha cabeça a uma dor agoniante, horrenda em graus terríveis e desumanos como se criaturas invisíveis tivessem comprimindo minha cabeça com prensas de gelo maciço, não apenas a estrutura externa, mas também o crânio e o cérebro. Senti inúmeras vezes meus ossos estremecerem, fisgadas dolorosas como adagas afiadas no tecido de meu órgão pensante.

Os pedaços de minhas duas costelas quebradas só se espalharam mais conforme Malak replicou aquele golpe vezes e mais vezes, não apenas adentrando meus tecidos internos a cada segundo que se passou, mas fazendo parte deles, se perdendo dentro deles. Me pergunto se algum dia o curandeiro mais habilidoso do mundo poderá conseguir o simples feito de encontrá-los. Já nem mais consigo senti-los individualmente já que a sensação que causam é que estão espalhados e perfurando cada célula viva restante em meu corpo.

Eu me pergunto se vou morrer no segundo seguinte ou no próximo. Há motivos para eu resistir, mas em toda a minha vida nunca precisei ter tanta força. É verdadeiramente agonizante, e surpreendentemente a sensação de ter sido capturada, e de suas consequências, é pior do que a sensação física

Devido aos socos que recebia dos soldados e de Malak, não fui capaz de abrir os olhos, não tive forças o suficiente para fazê-lo por mais que tenha tentado muito. Minhas pálpebras nunca pesaram tanto, nem sob efeito da magia morta de Eduna, e se sou realmente boa em fazer palpites, no mínimo a estrutura óssea ao redor do meu globo ocular deve ter rachado.

Com sorte nasci em Vênetos como Grã-feérica, se fosse humana teria morrido com o maldito bastão de gelo de Malak.
Certamente, se eu conseguisse abrir os olhos, minha visão estaria distante da clareza. Cada segundo dentro desse lugar, ouvindo a dor dos inocentes, sabendo exatamente o que estão sentindo... É como se cada golpe fosse justo.

Não consegui salvá-los, e deveria ter dado a minha vida se preciso, porque nem todos aqui são soldados, e certamente nenhum deles recebeu o treinamento que eu recebi.

Se estou suportando porcamente, jamais conseguiria mensurar o tamanho da batalha deles. Cada corpo feérico arrastado sem vida de um lado para o outro com o passar do tempo, morreu por minha culpa.

Por muitas vezes durante a noite, onde as almas em agonia nunca dormem, tentei me soltar, me mexer, superava toda a dor maligna que rugia por todo o meu corpo implorando para que eu parasse e tentava mais uma vez, afastar os discos de gelo mesmo que sentisse meu sangue ainda fervente escorrendo pelos meus braços vindo parar em meus ombros, para que eu pudesse soltá-los.

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