Capítulo 38

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Percebi diante de sua feição confusa e curiosa que admitir minha amnésia repentina não seria vantagem alguma pra mim. Mesmo sem habilidade alguma pra esconder o que se passa dentro de minha mente por ser expressiva demais, só seria verdade se eu dissesse com todas as letras.

Se o fizesse, o illyriano poderia contar a verdade que lhe fosse conveniente.
Não, é melhor agir com muito cuidado dessa vez para não acabar pendurada por espinhos nos pulsos de novo. Tenho que ser mais cautelosa, e não impulsiva.

- Posso me lembrar, ou não, mas estou curiosa em saber sua versão sobre os acontecimentos anteriores. - Respondi, com segurança apesar do tom um tanto quanto sussurrante em consequência da nossa proximidade perigosa.

Ele hesitou, com certeza pensando na resposta mais prudente para não me aborrecer e acabar morrendo. Eu não tenho a intenção de matá-lo, ao menos não por hora, e sinto minhas mãos bem firmes, apesar da sua desconfiança sobre a veracidade desses dois fatos.

- Caso não goste da minha versão sobre os acontecimentos anteriores, irá me matar? - Percebi um desafio afiado em seu tom de voz.

Marion sempre disse que o melhor dos mentirosos não consegue esconder a verdade em seus olhos, então me fixei as iris cor de avelã do espião. Procurei por medo, sinal de que tem algo a esconder. Malícia, o que revelaria que ele já traçou seu plano de fuga e pretende executá-lo a qualquer momento.

Mas dentro das iris iluminadas do illyriano, encontrei confusão, curiosidade e apreensão. Esse tal receio poderia ser um indicador de que está mesmo escondendo algo, mas está acompanhado de uma dose quase imperceptível de revolta, mostra que se sente injustiçado.

Acredita mesmo que está agindo da maneira certa em relação a mim, e não fez nada de errado, seja lá o que tenha feito. Sob sua ótica, eu sou a vilã.

- Apenas não quero que minta. - Respondi simplismente - Eu irei saber se estiver mentindo, isso provaria que é uma ameaça, está em meu caminho e tenho todos os motivos pra te tirar dele.

O silêncio tomou conta do illyriano por um minuto demorado, e nem por um segundo ele afastou seu olhar magnético do meu.
Está planejando sua próxima jogada de segurança, enquanto faz o mesmo que eu fiz com ele. Olha no fundo dos meus olhos e procura pelo o que eu estou escondendo.

"Sei que sempre fará a coisa certa, não poderá evitar, faz parte do seu ser."

Sem dúvida alguma essa voz não é dele. O illyriano fala e sombras parecem sussurrar em eco, traiçoeiras e convidativas, soa grave, firme e límpido como um furacão. As palavras que ecoaram na minha mente ontem eram doces e femininas, não indefesas como as de uma donzela, mas doces, gentis e firmes como as de uma Rainha.

Mesmo assim, em algum ponto da noite anterior ele me encontrou e me trouxe até aqui. Terá que ser muito convincente se quiser ir contra as evidências.

Seu olhar forte dançou entre minha mão pressionando a adaga firmemente contra sua garganta e a determinação em meu rosto. Se está demorando tanto para encontrar uma resposta segura, significa que está empenhado em esconder algo de fato.

- Tanta hesitação não lhe cai bem, espião. - Alertei.

- Só cumpri ordens. - Respondeu, com firmeza - Feyre mandou que eu buscasse você na biblioteca da mansão, estava inconsciente debaixo de uma escrivaninha quando eu cheguei lá.

Apertei os olhos, na intenção de fazer ele acreditar que estou duvidando de sua honestidade, e ver como reage a isso sob a eminência da morte.

- Eu não tenho a resposta que tanto procura. - Quase grunhiu, revelando ansiedade em sua voz límpida e um pouco mais de revolta em seu olhar. Está certo de que estou cometendo uma injustiça contra ele.

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