Capítulo 66

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A mudança de ambiente capturou uma fração importante da minha atenção, o bastante pra tirar meu foco total do meu desespero. Mas não para afastá-lo por completo.

Olhei ao redor procurando por familiaridade, a encontrando imediatamente a cada direção que olhava. Por fim, me voltei ao espião diante de mim, encontrando olhos absolutamente atentos nos meus, de prontidão para qualquer tarefa que devesse cumprir. Sua mão se voltou para ele, mas está quase rente a mim, concentrado na minha respiração ofegante. Por pouco nossas testas não se encostam.

Encontrar suas iris tão absurdamente próximas das minhas foi como o exército aliado chegando em batalha pra apoiar, lutar ao lado e vencer. Bateu de frente com o pânico disperso, e dessa vez causou mais estrago do que antes.

— Kenna. — Sua voz soou baixa contra o meu rosto, quase como um sussurro, de modo que pude sentir seu hálito fresco roçando meus lábios.

Imediatamente um arrepio esvoaçante repousou em minha lombar, deixando a ponta dos meus dedos dormentes, de modo que meu corpo só conseguia dar atenção a sensação de névoa brincando com minha pele. A sensação física conseguiu roubar o protagonismo da tortura acontecendo em minha mente.

Meu nome ressoando de sua boca soou como um hino, um mantra capaz de afastar a inquietação e roubar a maior parte da minha atenção para ele.

— Nós vamos respirar juntos, está bem? — Foi uma orientação, mas funcionou mais como um golpe adicional no meu pânico. Está me direcionando à razão de novo, ainda que seja impossível pensar.

Sutilmente e por breves segundos ele elevou as sobrancelhas, pedindo implicitamente pra que eu o acompanhasse. Meus olhos caíram lentamente até seus lábios, como fumaça despretensiosa, e atenta reparei como até mesmo sua boca não possui uma assimetria, nem mesmo uma pequena pele se sobressaindo do restante do tecido homogêneo, é lisa, e por consequência, parece macia.

E ainda assim, mesmo que eu tenha causado o estopim da guerra, me escondido em uma terra proibida, seja culpada por toda a bagunça entre Eduna e Vênetos, tudo que consigo pensar, tudo em que posso reparar, é no quão próximo o espião está de mim, lutando frente a frente com o meu desespero.

— Está bem. — Sua voz fez com que eu me voltasse pra seus olhos em um espasmo, ainda encontrando preocupação — Vamos tentar de novo até que consiga. — Disse paciente, me levando a presumir que havia perdido a sua respiração, concentrada na perfeição de seus lábios.

Me senti inclinada a baixar meus olhos mais uma vez, mas lutei contra o impulso e mantive o olhar alto, concluindo que se não respirasse de maneira decente, eu provavelmente desmaiaria logo. Dessa vez pude ouvir o som gradativo e sutil como o roçar de dedos sob uma manta, da inspiração dele, e o acompanhei ainda que um pouco atrasada.

O oxigênio passeou relutante dentro de minhas narinas, mas em consequência da insistência através de um ritmo lento, não teve escolha a não ser seguir a rota até meus pulmões de modo eficiente. Trazendo com ele por fim, um alívio fresco como uma brisa de trégua durante o verão de Vênetos.

Atento e ainda inseguro em relação ao meu bem estar, Azriel moveu o queixo positivamente em aprovação sem dizer nada, então breves segundos depois ele liberou o ar em excesso, e como havia me pedido, fiz o mesmo.

A sensação nas chamas que estavam a caminho de baixar por causa da série de fatores que capturaram minha atenção antes, foi de dar um mergulho na água debaixo do estopim do sol. E ainda que morna, fez com que a pele fervendo se refrescasse um pouco.

— Muito bem. — Disse com o tom ligeiramente mais descontraído, ainda com as iris dançando com as minhas em ritmo acelerado — Quer ir mais uma vez? — Perguntou por fim, calmamente, enquanto segue me analisando minuciosamente.

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