Capítulo 72

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A expectativa em meu peito se acendeu como uma faísca, prestes a virar chamas em poucos segundos. O ritmo de seu rosto se voltando para mim estava dolorosamente lento, havia segundos em que parecia que se movia, ainda que de maneira vagarosa, mas outros, em que aparentava parar totalmente. Provavelmente pensando de maneira prudente e minuciosa sobre cada mínimo suspiro que deixa escapar por hora. O espião e a sua cautela incurável fizeram com que a ansiedade em mim crescesse ao ponto de me arrancar um suspiro brusco, que certamente chamou sua atenção.

Suas asas enormes farfalharam, sutilmente mas o fizeram, já o seu rosto, que antes fazia menção em trazer sua atenção para mim, trouxe o queixo até a metade do caminho. Se o espião deseja me observar, já pode fazê-lo por visão periférica.

— O que foi? — Indagou, alinhando o corpo antes virado para a porta, na direção da parede adjacente, diante de seu rosto.

Ação essa que fez com que as batidas em meu peito se tornassem mais fortes, mesmo que não tenha sido um movimento brusco. São como socos de aquecimento em um dia de treinamento, prontos para aumentarem sua intensidade.

— Não gostou da resposta? — Provocou, mesmo sem o desdém necessário em sua voz para fazê-lo. É como se com os olhos fixos na janela diante dele, tentasse ao máximo não usar de sua visão periférica, e por isso, concentrado demais em não fazer algo, esteja esquecendo de encenar nesse jogo.

De qualquer forma, ponto para mim. Ainda que me frustre, e me deixe impaciente saber que está tão relutante para se virar, e me entregar a chance de dobrá-lo pelos modos sutis e convidativos da atração, ao ponto de colocar a ponta de meu pé para dançar inquieto sob a água, admito que tanto receio evidente - e ele sabe que é evidente - coloca o poder desse momento sobre minhas mãos. De modo que, se eu levantasse agora, nua, e caminhasse até ele, não seria capaz de conter qualquer impulso proveniente do desejo, julgando pela maneira como se esforça tanto para não olhar pra mim. Ouso dizer que agora, está na palma de minha mão.

No meio da análise de seu comportamento um suspiro pesado e impaciente escapou, mas no fim dela, não pude evitar um sorriso unilateral carregado de malícia, cogitando a ideia extrema e malvada que se passou pela minha mente.

— Não é bem isso. — Respondi, em tom descontraído, envolto em certa malícia — Acontece que você me decepcionou.

Minhas palavras soaram como um absurdo tão grande para seus ouvidos, que foi obrigado a tornar a atenção totalmente até mim, provocando pane do sistema dos dois. Surpreso consigo mesmo, Azriel deu um passo para trás em um espasmo, com a boca entreaberta. Eu por minha vez, corrigi a postura dos ombros, os mantendo alinhados após engolir em seco, certa de que a tensão me visitaria, como sempre acontece quando estou sob a intensidade sombria de suas iris iluminadas. Ainda assim, mantive meu olhar no seu, e não ousei demonstrar a fraqueza de desviá-lo, tampouco ele.

— Pensei que espiões fossem melhores mentirosos. — Continuei, ciente de que se mantivéssemos o silêncio por mais tempo, ele poderia cogitar que tem alguma influência sobre mim. E talvez até tenha, mas ele não precisa saber.

Com a postura rígida, o olhar do espião desceu lento até meu pescoço úmido, e parou na região, como se tivesse sido capturado. Um rato preso na ratoeira. O pomo de Adão em sua garganta oscilou.

A concentração que envolve a sua atenção me causa arrepios, gradativos, que me atingem de maneira sensível e minuciosa, parte por parte, célula por célula, como se pudesse dividir uma chama fervente em átomos e senti-los perfeita e individualmente. A pressão característica na boca de meu estômago se intensificou de maneira alarmante de uma hora pra outra, de modo que me obrigou a conter o suspiro assustado, porque nesse meio tempo não chegou a se ausentar de verdade. Em suma, a chama havia baixado, e agora retornou galopante.

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