Capítulo 57

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Madja disse que não existia a possibilidade de eu estar dormindo durante o procedimento, porque se sentisse alguma dor, justamente devido aos efeitos de sua magia, significaria uma decisão errada, com necessidade de reversão.

Aceitei, mesmo com a alma em erupção, berrando para que eu não o fizesse, furiosa e desesperada para fugir da magia alheia. Como um predador encurralado lutando freneticamente pela vida. Mantive a compostura em absoluto silêncio enquanto ela ajeitava os mínimos utensílios que iria precisar, materiais moldados por magia também, incomuns, criados para ocasiões como essas.

Quando os vi, repletos de runas dominadas pelas sacerdotisas, um calafrio formigante e doloroso simultaneamente se estendeu pela minha coluna, fazendo com que em pouco tempo sentisse meus lábios esfriarem.

Eu tenho consciência de que são runas sagradas pra eles, poderia ter motivo para me preocupar se fossem runas informais ou obscuras, o que em toda a minha vida nunca aconteceu. O problema não é o formato dela, mas sim o poder que está contido. Depois de tanto tempo ouvindo os horrores que a imensurável magia Eduna causou, a certeza de que irei me desmontar em morte no momento em que a magia de outro me atingir é concreta.

Batidas ecoaram na porta de madeira, sem rodeios a curandeira se dirigiu até essa e
uma feérica esguia, vestindo trajes simples adentrou o chalé, com postura pacífica e feição inabalada.

— Senhora Madja, o paciente do chalé cento e dois requisita sua assinatura no documento de internação, disse que seus chefes são bastante rigorosos.

A fêmea escutou atentamente e se levantou em seguida.

— Não saia daqui, iremos começar o procedimento em breve. — Disse em tom de voz um tanto distante, seguindo na direção da mais jovem sobre passos tranquilos.

A porta se fechou, eu fiquei sozinha com o silêncio do cômodo, os diversos tipos de madeira, a vista pra fora, e o cheiro do fogo. Não o das lamparinas, mas o de minha alma, exalando espírito defensivo e agressivo, rugindo como a destruição do mundo personificada. Minhas mãos não param de suar por um único segundo.

Deixei que um suspiro irrompesse por entre meus lábios, e não poderia ser nada além de brusco.

— Madja não irá me machucar. — Sussurrei pra mim mesma, fechando os olhos como se fosse potencializar as palavras das quais quero me convencer.

Ela não vai me machucar, e ao passo que me lembro que não tem motivos para fazê-lo, ouço os urros em dor, pânico, agonia e sofrimento intenso dos feéricos como cobaias para experimentos mágicos.

Meu coração pesou, em luto e tristeza gelada, se contrapondo a minha necessidade de fuga. Em seguida, não pude evitar engolir em seco, quando o som ecoou pertubador em meus tímpanos, e causou um arrepio que me espetou dolorosamente feito agulhas. Eles estavam implorando pela morte, pediam pelo amor da "Mãe gelada" entre prantos e gritos da dor mais intensa que já haviam sentido em sua vida.

A mão enrugada, com unhas pontudas e afiadas, apertou meu coração, como costuma fazer, e o som dos ventos uivantes invadindo minha alma em melancolia pelos feéricos ecoou fortemente. Por consequência da dor, quase de maneira involuntária levei a mão até a maca, a apertando com força na esperança de que a dor parasse por conta da firmeza do toque, ainda que saiba que não vai funcionar.

Atchim.
Um espirro baixo e agudo ressoou atrás de mim, e sem demoras tornei a atenção na direção do som. Encontrando o pequeno príncipe da Corte Noturna encostado na parede, com os olhos arregalados e o pequeno peitoral de menininho descendo e subindo em uma respiração ofegante. Está claramente assustado.

Pensei em perguntar como entrou aqui, mas ao ver o vidro da janela sutilmente erguido, tive minha resposta. Então cogitei perguntar o que está fazendo aqui, mas não o deixaria mais calmo, e vê-lo tão assustado por ter sido pego espionando é engraçadinho e fofo, mas da pena.

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