Capítulo 44

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Eles não podem me culpar pelas minhas crises existenciais. Estou omitindo, não mentindo, na verdade estou até sendo sincera por me expor dessa maneira.

Acreditei que minha alma não encontraria tempo para se aborrecer diante do olhar desconfiado e atento do espião, sem a mínima possibilidade de me desviar dele. Ainda assim, senti migalhas se juntando gradativamente em minha garganta, a caminho de formar um pequeno bolo, e por consequência, dificuldade maior apesar de sutil, em puxar o fôlego.

Eu nunca fui Princesa apesar do título e do parentesco, não me porto como uma, não tenho a classe de uma, os gostos e manias de uma, nas vezes em que tentaram me ensinar bons modos eu agi como uma "besta selvagem" nas próprias palavras dos professores. Um dia, Marion apenas desistiu de tentar me fazer parecer uma.

Sutilmente o illyriano diante de mim apertou os olhos, aparentemente lendo o turbilhão de pensamentos em minha mente. O arrepio em minha lombar a colocou em estado dormente, bastante desconfortável mas ao mesmo tempo, estranhamente agradável.

Sempre fui soldado, minha espada feita de aço forjado do fogo do centro da terra mãe com magia, do fogo de Aedon e de lascas de vulcão sempre foi uma de minhas companheiras mais fiéis, além de meus reais confidentes é claro. Mas nunca fiz parte de verdade do exército, não formo uma unidade com eles, não somos família como o restante deles é nitidamente.

Por sorte durante toda a minha vida consegui me aproximar de dois feéricos que não dispensam minha companhia, em duzentos anos era esperado que eu fizesse mais amizades, mas sempre priorizei a mim mesma e os demais não gostaram muito do meu "orgulho faminto, egoísta e insaciável."

Sou nobre pelo meu título, mas nunca gostei da maioria dos Lordes e Ladys, que se acham superiores ao povo pela quantidade de ouro que possuem.

Certamente sou uma montadora de dragões, voar com Aedon é o meu maior lazer, sentir o vento forte beijando minha pele, os tecidos soltos recuados de maneira bruta, os fios de meu cabelo dançantes nos céus. Suspirei com leveza, percebendo meus ombros relaxarem ao ser inundada por uma saudade boa. Inevitavelmente minha mente clareou, mas de maneira melancólica. Não era essa a resposta que eu queria, nem minha mente, nem meu coração.

Apesar de tudo não podemos mudar quem verdadeiramente somos, e talvez seja isso que eu seja afinal. Apenas uma montadora de dragões, e uma guerreira solitária que ama os únicos amigos que fez em toda a vida com todo o coração, e é devota somente a eles.

Em meus pesadelos me enxergava como uma alma complexa, mas por fim percebo que sou comum, entediantemente igual aos demais.

Meu peito se apertou, puxei o fôlego bruscamente apesar da postura serena e não foi tão fácil quanto o habitual. Só então percebi que nem estava mais prestando atenção no rosto do illyriano curioso.

Azriel apoiou-se na mesa, sutilmente se inclinou na minha direção e se prendeu de maneira fervorosa às minhas Iris. O arrepio na lombar se intensificou, me deixando mais dormente, e gradativamente extasiada.

— Me insultar usando minhas habilidades parece ser o seu passatempo preferido. — Afirmou, com calma, carregando uma aura passivo-agressiva gritante.

De volta ao jogo, com ele em meu foco, assumi uma feição presunçosa e despreocupada.

— Não posso arrancar informações de você, apesar de achar que sou um ser sem honra, não poderia nem que Rhysand e Feyre me autorizassem. — Sua voz grave e intensa manteve-se baixa, atingindo meu rosto em forma de hálito fresco — Você salvou Nyx quando não teria nada em troca e fez o mesmo por Velaris, apesar da minha enorme desconfiança, não seria capaz de retribuí-la assim, mesmo que seu temperamento instigue em mim instintos violentos.

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