Capítulo 42

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Enquanto pro resto do mundo, as lendas nos contos de fadas eram os dragões, para mim, eram as tempestades. Água despencando dos céus, ou até mesmo a neve do chão da perigosa Eduna fazendo o mesmo, só existia nos livros.
Para não ser tão radical, a única tempestade que sabia que era real era a de areia, e cresci rodeada por ela, portanto  nunca me causou medo. Na verdade antigamente nada me causava.

Durante minha infância ouvia as servas sussurrando sobre a noite em que minha mãe foi assassinada, citavam trovões estrondosos, raios compridos e o choro incessante da pequena Princesa. Eu era apenas um bebê com meses de vida, não me lembraria, mas se elas estão certas, a última tempestade em Vênetos aconteceu quando mamãe se foi. Depois disso, nunca mais voltou, parece até que não quis viver em um mundo sem ela. Ao menos, a nossa tempestade.

Talvez tenha sido a minha falta de contato com elas, e os absurdos recentes que me acometeram, mas basta pensar em uma tempestade como aquela e meu corpo se arrepia em calafrios. Ver elementos que não sejam fogo caindo do céu, me deixa transtornada.

Surpreendentemente, a neve flutuante não parece mais tão ruim assim depois do toque do espião. Foi como um escudo temporário que deixou sensação placebo.

Curiosa, levantei os braços para descobrir até que ponto permaneço sem fugir, interessada em testar meus limites. Por cima da palma da mão, lentamente alguns grãos gelados caíram, felizmente nenhum deles me machucou.

— Você não gosta muito de nada que caia do céu, não é? — Perguntou em tom ameno enquanto me observava, atraindo minha atenção até ele.

Involuntariamente apertei os olhos, checando os escudos mentais. O espião por sua vez, imitou a mudança em minha feição, só que de maneira mais sutil e contemplativa, como se ouvisse os conselhos sábios da sua mente.

Por fim, balançou a cabeça quase de maneira imperceptível, na intenção de afastar as ideias indesejadas.

— Vamos?

A confusão em meu rosto não se desfez. Aliás, por que ele está aqui? Fiquei tão entretida com essa tempestade de neve que esqueci de me perguntar o motivo de ter vindo justamente até mim. Não está enfermo, e certamente não preveu que seria útil para impedir um possível colapso.

— Não me olhe assim. — Suspirou impaciente, desviando os olhos dos meus por um momento — Morrigan pediu que eu viesse pra te levar até o Rita's. — Assumiu uma postura formal impecável, com os ombros alinhados.

— Eu poderia ir sozinha.

— Ela prefere evitar atrasos. — Em seguida, assumiu um tom mais firme, reativo à minha desconfiança, e um olhar sutilmente mais severo.

Me peguei corrigindo a minha postura, pra me igualar a ele. Estranhamente um peso sorrateiro repousou em minha lombar, simultaneamente esvoaçante e denso, então percebi a região relaxar.

Ignorei a reação esquisita do meu corpo na tentativa de não assumir uma posição inferior e apenas aceitei, indo na frente mesmo sem saber o caminho. Ele vai assumir o rumo de qualquer forma, seria estupidez não me reafirmar ao menos brevemente, poderia pensar que estou amolecendo caso não o fizesse.

***

Durante todo o trajeto não trocamos uma única palavra, suspirei bruscamente várias vezes pra deixar evidente que não desejo sua companhia. Afinal, quem iria querer uma criatura profissional em mentir por perto?

Aproveitei o caminho para admirar a linda cidade, que parece ganhar vida sob a luz do luar. Os feéricos serenos passando pela região dos chalés não foi uma excessão do momento, para onde olho encontro sorrisos e feições leves.

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