Capítulo 24

228 20 2
                                    

Cada degrau para baixo me trazia uma fisgada diferente no peito, absolutamente nada seria capaz de me trazer um pouco de calor conforme a atmosfera gelada em graus aterrorizantes me consumia por inteiro. Não é frio de verdade, não como o Reino de Eduna a fora, é mórbido, mortal, ardido como o próprio fogo, porém apenas congela.
Não há uma única crosta de gelo se formando em meus lábios ou em meus cabelos como aconteceu no primeiro dia em que cheguei, sob temperaturas bem mais amenas que essa, mas ainda assim, todo o meu corpo treme na esperança de agitar-se o suficiente para conseguir se esquentar, em vão.

A sensação térmica se tornava ainda mais horripilante conforme os pedidos por ajuda não só se intensificavam em quantidade, mas também em altura. No topo dos degraus, eram sussurros, na metade deles pra baixo, se tornaram gritos. O que serão quando eu finalmente chegar a esse destino?

As sensações tóxicas que a magia de Eduna causa em nosso corpo, nosso alma, foram até mesmo ofuscadas diante de tantos estímulos assustadores e mensagens que trazem a tona todo o rancor maldoso da terra morta, a parte gigantesca da sua magia que não conseguimos ver naturalmente e apenas sentir. Agora, quanto mais para baixo percebo que os dois serão possíveis simultaneamente.

Não parei por um segundo, e por fim cheguei ao último degrau. Aqueles gritos se tornaram berros tão feios e tão agudos que meus tímpanos estremeceram em dor, minhas mãos contra meus ouvidos para amenizar a pressão do som aterrorizante das súplicas foram inúteis. É pior que os campos de batalha.

A sensação pesada por todo o meu corpo quando estava na superfície, no momento em que acordei da péssima noite de sono, foi apenas uma brincadeira comparado ao que sinto agora. Todos os meus órgãos ficaram pesados o suficiente para parecer que estão amontoados dos meus pés até minhas coxas, minha pele se repuxou para baixo, meus cabelos ficaram ainda mais compridos e se tornaram ligas de ferro que pesam toneladas.

Eu teria de fato me importado com todas essas mudanças quase insuportáveis se não tivesse sentido o meu coração se despedaçar, como se estivesse sendo golpeado sem parar após a visão que amaldiçoou meus olhos. Lágrimas rolaram livremente pelo meu rosto, velhas amigas que não me visitavam desde a minha infância.
Desde jovem, séculos somados a longas décadas eu jamais derramei sequer uma lágrima, e nesse momento, meus olhos se enchem delas, se inundam conforme o que senti pela cena que me acometeu e me destruiu.

Milhares e milhares de feéricos sendo torturados, soldados Edunos fazendo experimentos com eles, da maneira mais horrenda que poderiam, não com lâminas, espadas ou adagas, punições como essas seriam misericordiosas comparadas a maneira como todos estão sendo testados sob magia. A mesma magia descomunal que tomaram pra si nos primórdios, insustentável, que nos leva a sentir danos colaterais apenas por estar no mesmo espaço que ela.

Estão usando a sua maior arma não para proteger, acolher, cuidar de seu povo, mas para destruir, roubar sua essência aos poucos por um objetivo que não justifica tamanho sofrimento. Nada, absolutamente, justificaria nem nunca justificará tamanho sofrimento.

Esses seres não são o meu povo, essas almas pedindo por socorro, suplicando, berrando de arder os tímpanos estão sendo transformadas em criaturas que não são elas, suas almas estão sendo ceifadas, suas mentes se tornando pó para comporem a carcaça de uma criatura monstruosa e indestrutível.

Desde o primeiro Grão-Rei todo ser de Eduna com a mínima conciência compartilha um revanchismo por Vênetos como se nós tivéssemos culpa de seu primeiro dragão ter nascido nessa terra, que antes era viva. Se houver uma única alma dentre os Edunos que se sinta de maneira diferente, seria muito, se tivessem a mínima chance de massacrar a todos nós, chamando de "reparação histórica", eles o fariam, e mesmo assim eu me senti despedaçada.

Sobre CortesOnde histórias criam vida. Descubra agora