Capítulo 54

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Fiquei imóvel por no mínimo dez minutos, ouvindo cada batida do meu coração retumbar dentro do peito, verificando atentamente para saber se já havia saído do corredor. Vi a sombra de seus pés no vão estreito entre o chão e a porta no início, enquanto estava parada como se estivesse cometendo um crime, mas no momento, não a vejo mais. Há uma sombra no chão, mas definitivamente não são de pés, já que é longa demais e não tem intervalo para isso.

Ainda apreensiva, sem a menor vontade de encontrá-lo em frente a porta quando eu a abrir, me levantei da cama como se tivesse acabado de acordar: preguiçosamente. Fui caminhando sobre passos sorrateiros até a porta, na certeza de que já teria partido se estivesse se escondendo, ou melhor, esperando pela minha saída de modo que eu não o visse, me esperando abri-la um pouco mais para o lado, recostado na parede com os braços cruzados. Mas pra garantir, dei tempo para que se cansasse de esperar, mais alguns segundos vagarosos, e de fato fizesse isso.

Após um minuto que passou mais lentamente que o normal, estava finalmente diante da porta. Levei a mão até a maçaneta, convicta de que a única sombra no chão não é a de seus pés.

A abri da maneira mais sutil que pude, como se estivesse me escondendo, essa nem sequer rangeu. Eu me inclinei com cautela, tornei o rosto ao corredor escuro na direção da escada, e o vi vazio. Ainda temendo encontrá-lo inesperadamente, me virei ainda mais cautelosamente para o lado oposto, deixando o alívio fresco adentrar meus pulmões em forma de respiração ao perceber que o illyriano não está aqui.

Apoiada no batente com as duas mãos, me lancei de maneira desajeitada para dentro do quarto, imaginando o motivo pelo qual veio me procurar mesmo sabendo que não abriria a porta, e ao fazê-lo com os olhos percorrendo o chão, encontrei uma bandeja de prata diante dos meus pés. Minha mente se iluminou em compreensão, entendendo que a sombra de comprimento um pouco mais longo e constante vinha da bandeja.

Sobre ela há uma tigela branca com pêssegos cortados em quadrados, misturados com melão e grãos de aveia sobre eles, no canto superior esquerdo. Embaixo dela, há outra semelhante, mas com dois biscoitos grandes com gotas de chocolate dentro. No centro, um prato composto por dois pedaços generosos de carne e duas fatias douradas de pão amanteigado. No topo direito da bandeja, uma taça com líquido roxo que eu torci para ser vinho, mesmo sem saber se aceitaria a oferta de paz ou não, e abaixo, um papel dobrado de maneira simétrica.

Fiquei parada sem me mover, só olhando pra bandeja por mais tempo do que gostaria, sem saber o que fazer. De repente me tornei uma criança, imóvel sem o comando dos pais, com medo de errar.

Ainda relutante, me abaixei, apoiando meu peso sobre os joelhos, e como se o papel fosse envenenar meus dedos e fazê-los apodrecer, o peguei em mãos com bastante cautela. Delicadamente o abri, vendo por cima um recado longo dentro, composto por uma quantidade generosa de palavras.

Por favor, peço que aceite minhas desculpas.
Pedi para que velhas amigas me ajudassem a preparar uma refeição para você, está exausta, e certamente um agrado não cairia mal. Não sabia exatamente do que gostava, tampouco o que comem em Vênetos, mas me lembro de que contou sobre o clima tropical do seu lar e selecionei frutas que nascem no calor. Os biscoitos não foram ideia minha, mas espero que goste mesmo assim. Proteína e carboidrato são importantes, especialmente quando possuem sabores agradáveis. O vinho está aí não porque precisa, mas talvez queira, e também é uma opção agradável. Sinceramente, espero que aproveite.

Um suspiro fraco escapou por entre meus lábios enquanto dobrava o papel, atônita, percebendo que havia desaprendido a tomar decisões, ao menos no momento.

Quis ficar com raiva dele, claramente acha que uma bandeja com comidas gostosas podem apagar o fato de que por culpa de sua Grã-Senhora não posso salvar aqueles que precisam de mim. Como se fosse um gesto muito nobre, já que revelei que passei quase uma semana sem qualquer alimento.

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