Capítulo 21

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Os olhos da Grã-Rainha se tornaram distantes no momento em que ela olhou para mim, contemplativos em excesso como se sua mente estivesse em outro plano. Vagando. Ou talvez, não olhando para mim, mas para além.

Lentamente, com o peito apertado, me virei.
Vi a figura do Grão-Feérico musculoso de fios semelhantes a quilômetros e mais quilômetros de neve. Seus olhos prateados encontraram os meus e dessa vez, não estavam cerrados e ariscos, clamando por uma chance de me congelar por inteiro mas sim, leves, carregados de conforto e o mesmo calor das mantas em meus aposentos.

A dor que estava implorando para sair, ser sentida, se reprimiu enquanto um ser feito de gelo despertou a alta temperatura da alma de um ser feito inteiramente de fogo.

— Sua mãe revelou pra mim uma vez, que seu maior desejo era que sua filha vivesse em um mundo unido.

Combina com ela, ou ao menos aos rumores que as paredes de Vênetos ecoam, segredos que por acidente entregam.

— Ela odiava todas as richas, e as farpas entre seu pai e Izon. Vivia dizendo a ele para que encerrassem a tensão de vez, para que pudéssemos finalmente viver em paz.

Eduna e Vênetos, vivendo em paz, era o sonho de minha mãe. Logo quando nossa própria origem parece detestar essa ideia.

Essa era minha mãe, a mulher que cantava para mim enquanto me ninava e morreu sorrindo, olhando para mim, sua chaminha.
Ela não queria focar na dor, não foi capaz de sentir raiva, não procurou saber de onde veio o golpe. Minha mãe sentiu que não havia nada que ela pudesse fazer, ela sabia, e não desejou mais nada do que partir contemplando o rosto da sua filha.
A última imagem que minha mãe viu em seu último suspiro foi a minha.

Ela desafiava o padrão da maneira de pensar na maioria das almas, seguia sempre aquilo que pulsava em seu coração.

— Eu sou uma Rainha.

Não queria desviar meu olhar dos olhos do herdeiro, por mais incomum que a situação fosse, sabia que no momento em que olhasse para a Grã-Rainha a dor se libertaria.

— E mesmo assim, possuo defeitos. — O som do par de sapatos de Khorse se fez presente, de maneira paciente e lenta.

Presumi ao identificar o tilintar seco e singular se aproximando que ela estava chegando perto, e fui obrigada a recusar minha mais improvável fonte de conforto.

— Ego, vaidade, orgulho. — Contempla cada artefato, como se enxergasse os adjetivos em cada obra — Euphor por sua vez era perfeita.

Ainda que meu peito tenha se apertado, que as batidas de meu coração ecoem repletas de ressentimento e um luto que jamais passará, mesmo envolta na pior atmosfera do mundo da cabeça aos pés, não consegui identificar uma gota de inveja nas palavras da rainha.

— Era a personificação da bondade, da paz. Era tudo que ela queria. — Fica em silêncio.

No momento, é impossível que eles não consigam ouvir as batidas retumbantes como tambores violentos dentro de meu peito. Machucando, muito severamente.

— A paz. — Traz seus olhos a mim — Era a sua missão de vida.

Assim como lutar é a minha.

Luto e lutarei até o fim dos meus dias porque infelizmente minha mãe não teve tempo pra concretizar o objetivo de seu coração. E mesmo que pudesse, almas ruins sempre voltarão para assombrar almas boas, por simples defeitos como ego, vaidade e orgulho.
É por esse motivo, que persisto, jamais poderia abandonar as pessoas que não podem lutar por si mesmas.

As pessoas defeituosas sabem exatamente como machucar alguém, enquanto aquelas que não merecem tamanha dor nem imaginam como podem se defender.

A paz deriva da guerra.
Há sempre um monstro a despertar, e cabe a um herói adormecê-lo para que a paz reine novamente, mesmo que o combate seja necessário. Não existe sossego sem tormenta, não existe o bem, sem o mal.

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