Capítulo 69

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Por breves segundos, Erone trouxe sua atenção até mim, e quando eu percebi que o tinha feito, se voltou para Rhysand rapidamente, como se tivesse se queimado ou escorregado, uma reação rápida na intenção de reverter o que acabou de acontecer.

Certa tensão me acometeu, repousando em espiral sobre o meu peito. Puxei o ar lentamente, tentando focar no assunto que realmente importa, mas falhei ao lembrar da memória recente e distante dos seus olhos nublados nos meus por dois segundos. Logo dispersos, por opção dele.

Desejei que tornasse a atenção até mim mais uma vez, que não fugisse todas as vezes que eu olhasse pra ele, ou das vezes que ele o fizesse mesmo que por acidente, mas vem sendo assim há muito tempo, por que mudaria agora? Eu sei que olha pra mim, não mantêm esse tipo de contato por muito tempo ou com muita frequência porque se sente seguro para fazê-lo quando não estou encarando de volta. Como se minhas iris quentes fossem fogo, literalmente, e ele derretesse.

Eu fiquei revoltada por um tempo, sabendo que enquanto eu pensava sobre sua relutância em me ver da maneira que eu o via, ele nem mesmo lembrava da minha existência enquanto começava a frequentar as casas de prazer em Eduna. Me sentia menos, indigna de alguém como ele, até que um dia resolvi parar de me sentir assim, e enxergar que na verdade Erone jamais foi um exemplo. Que eu na verdade sempre fui melhor, ainda que a vontade de tê-lo não tenha passado após essa percepção.

A atração é um fenômeno perigoso, que eu aprendi a dominar, ainda que ela seja uma besta selvagem dentro de mim.

— Nós não o mandaremos embora, seu povo já passou por muita coisa. — Disse Feyre por fim, após um longo diálogo silencioso com seu parceiro — Apenas mantenha-os na linha. — Pediu, com seriedade.

Erone, sério e estático em sua feição irredutível, revelou um fiapo de confusão no fundo de suas iris turbulentas e frias, mas assentiu ao mover o queixo positivamente. Deve entender a naturalidade na desconfiança, já que são Edunos e eu não fui lá muito generosa ao falar deles, deveria ter sido mais específica e esclarecer que os cidadãos não são os vilões dessa história. Nem nunca foram.

Desde o início, apesar da rivalidade, os feéricos Edunos estavam ocupados demais encarregados da tarefa de sobreviver em uma terra hostil, aqueles que não agradavam a nobreza tinham que prestar muita atenção ao voltar pra casa pela noite. Enquanto Vênetos sempre celebrou a vida em festas que nunca acabam, Eduna jamais abandonou o seu silêncio.

— Esse é o trato, Príncipe. — Rhysand estendeu a mão — É o nosso acordo.

Sem hesitar, Erone esticou a sua e a apertou, mantendo o olhar gelado nos olhos poderosos de Rhysand.

Então uma marca preta em formato de floco de neve, o brasão de Eduna, se formou na lateral do pescoço dos dois.

Por breves segundos, um raio de luz reluzente pareceu acometer as iris do primogênito ao perceber uma certa onda de calor na região da marca, mas logo a abandonou, retomando a apatia.

— Licença. — Fez uma reverência quase imperceptível.

Rhysand assentiu ao mover o queixo positivamente, Erone deu as costas e saiu, caminhando sobre passos objetivos, sem nem mesmo olhar para trás. Ou, para mim.

Me senti a velha, ou a jovem, Kenna, esperando suplicante por uma migalha da atenção do Coração de Gelo, soterrada em expectativas, suspirando pelos cantos para que ele ao menos escolhesse o meu corpo naquela noite. A impressão de ser inferior que se estabeleceu nostálgica em mim, fez com que eu engolisse em seco, desconfortável ao abdicar do meu poder por alguns segundos, pedindo em segredo dentro de minha mente para que ele somente trouxesse o queixo a mim. Jurei pra mim mesma que não me sentiria mais assim, até o dia de minha morte, mas falhei comigo mesma.

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